Moda  

Metamorfose ambulante

25 Sep 2024
By Pureza Fleming

Fotografia: Getty Images

Desde as roupas simples dos primeiros humanos até às criações inovadoras da Alta-Costura contemporânea, a Moda continua a transformar-se, adaptando-se às mudanças do tempo e influenciando a sociedade de maneiras profundas. Esta retrospectiva dos grandes momentos do "fashion world" não é apenas uma viagem, é um desfile da Idade Média aos dias de hoje.

Moda e Status

Durante a Idade Média, a Moda passou a ser um forte indicador de status social, por isso a Nobreza usava tecidos luxuosos como seda e veludo, enquanto os camponeses vestiam roupas mais simples de lã e linho, uma prática que ia além de uma mera questão de posses e acesso aos materiais: leis sumptuárias regulavam quem podia usar determinados tecidos e acessórios, reforçando as divisões de classe. As cruzadas também introduziram novos tecidos e estilos do Médio Oriente na Europa, contribuindo para esta parafernália de escolha.

Possível retrato de D. Isabel (1397–1472), pintado por um artista neerlandês.
Fotografia: Met Collection

Berço do Luxo

O século XVII viu o surgimento do estilo barroco na Moda, marcado por extravagância e ornamentação. A França, sob o reinado de Luís XIV, tornou-se o epicentro da Moda europeia, com trajes elaborados, tecidos ricos e acessórios opulentos. As mulheres usavam saias volumosas sustentadas por paniers e corpetes decorados, enquanto os homens adotaram casacos, calções curtos e perucas volumosas.

Fun Fact: No século XVI, os saltos eram um símbolo de masculinidade e eram predominantemente usados por homens aristocráticos. Só no século XVII é que as mulheres começaram a incorporar os saltos altos na sua Moda. 

Retrato do Rei de França, Louis XIV, por Hyacinthe Rigaud (1659-1743).
Fotografia: Getty Images

A Era das Silhuetas

A Revolução Industrial teve um impacto profundo na Moda, tornando as roupas mais acessíveis com a produção em massa. O início do século XIX trouxe o estilo império, com vestidos de cintura alta. À medida que o século avançava, as saias tornaram-se mais amplas, alcançando o auge com as crinolinas das décadas de 1850 e 1860.

Fun Fact: Sabia que Charles Frederick Worth, o pai da Alta-Costura, foi o pioneiro das coleções sazonais e dos desfiles de Moda no século XIX?

Portrait of a Woman, do britânico Sir William Beechey, circa 1805.
Fotografia: Met Collection

Roaring Twenties

Nos anos de 1920, o estilo flapper trouxe vestidos curtos e retos, e Coco Chanel popularizou o Little Black Dress. Em outubro de 1926, a Vogue americana descreveu o “pequeno vestido preto” como um "uniforme para todas as mulheres de bom gosto". Chamado de "Chanel’s Ford” (porque, tal como o Model T da marca automóvel, era elementar e acessível a todas as classes), a peça era simples e democrática, tornando-se um clássico do guarda-roupa feminino. Este vestido não só reinventou "a cor do luto", mas também redefiniu o que as mulheres podiam usar, simbolizando libertação e modernização.

Fun Fact: Após a Grande Guerra, as mulheres procuraram roupas mais confortáveis, abandonando espartilhos e saias volumosas. Foi nesta época que o vestuário desportivo começou a ganhar popularidade. Pois é, muito antes do atual athleisure, o francês Jean Patou já adaptava tecidos e formas de roupas desportivas para a Alta-Costura.

The Rosery, de George Barbier (1882-1932).
Fotografia: Getty Images

Ode à Mulher

A Segunda Guerra Mundial trouxe racionamento de tecidos e simplicidade nas roupas. Após a guerra, o New Look de Christian Dior, em 1947, reintroduziu saias volumosas e cinturas bem marcadas, impulsionando uns anos 50 dominados pelo glamour hollywoodesco, com ícones como Marilyn Monroe e Audrey Hepburn a ditar tendências.

Fun Fact: Inventado em 1946 por Louis Réard, o biquíni — um fato de banho tão pequeno que cabia numa caixa de fósforos — foi inicialmente considerado um "pecado" e proibido em vários países. Desfilado pela primeira vez pela bailarina Micheline Bernardini, em Paris, tornou-se desde então um ícone de libertação feminina e transformação cultural. Foi popularizado por figuras como Brigitte Bardot e Carrie Fisher.

Uma modelo apresenta o tailleur bar da Dior, numa conferência sobre Moda na Sorbonne, que contou com o designer, Christian Dior, em abril de 1955.
Fotografia: Getty Images

O "Uniforme do Mundo"

Criados em 1873 por Jacob Davis e Levi Strauss, os jeans foram inicialmente concebidos para trabalhadores, como mineiros, que precisavam de roupas duráveis. A sua ascensão ao status de ícone da Moda começou com o movimento Youthquake, promovido pela Vogue US em 1965, que celebrou a individualidade e a influência das ruas. Em 1971, a Vogue já considerava o "look blue denim" como "o uniforme do mundo". Os jeans tornaram-se um símbolo americano e uma peça desejada em todos os guarda-roupas.

Fun Fact: Hoje, o pequeno bolso extra dos jeans da Levi’s é usado para moedas e outros itens pequenos, mas originalmente, no século XIX, servia para guardar relógios de bolso dos cowboys. Antes, usavam-nos nos coletes, mas os bolsos não protegiam bem os relógios. A Levi’s criou, então, aquele bolso para resolver o problema, garantindo que os relógios ficassem seguros e acessíveis. Com o tempo, o bolso passou a ser útil para vários itens e tornou-se uma característica essencial dos jeans, provando que o tamanho não define a utilidade.

A atriz, ícone e sex symbol Marilyn Monroe no set de The Misfits (1961).
Fotografia: Getty Images

Sweet Sixties

Os anos 60 trouxeram a minissaia. Criada por Mary Quant, a subida das bainhas assinalava um novo símbolo de libertação para as mulheres. Apesar das críticas, como as de Coco Chanel que a considerou "horrível", e de ser apelidada de “obscena” por alguns homens de negócios, a minissaia tornou-se um ícone cultural e político. A introdução da pílula contracetiva ajudou a reforçar a sua imagem como um statement de emancipação feminina. Em 1966, um grupo de mulheres protestou contra a sua proibição nas passerelles com cartazes que afirmavam “as minissaias são para sempre”.

Fun Fact: Mary Quant revelou que não havia sido ela, mas as raparigas da sua boutique em King’s Road, Londres, quem realmente popularizou a minissaia.

O ecletismo dos anos 60 nesta minissaia com as botas em patchwork, Fernando Sanchez para Revillon, num editorial para a Vogue US.
Fotografia: Getty Images

Anjos e Pecadores

A década de 1970 foi uma era de grande diversidade e experimentação. O movimento hippie, ao contrário de outros movimentos de contracultura, surgiu como uma reação pacífica e alegre contra a sociedade que gerava miséria e guerras, especialmente a Guerra do Vietname. Com o lema “Peace & Love” ou “Make Love not War”, os hippies promoviam amor livre, respeito pela Natureza e uma vida simples. Caracterizavam-se por roupas coloridas, franjas, calças à boca de sino, cabelos longos com flores e uma estética psicadélica acentuada pelo uso de substâncias alucinogénicas.

A Moda punk, por sua vez, liderada por Vivienne Westwood, desafiou as normas estabelecidas com roupas rasgadas e uma estética agressiva. Conhecida como a "mãe do punk", Westwood revolucionou a Moda nos anos 70 com a sua atitude provocadora. Ao abraçar o tartan e o tweed, o bondage e o fetiche, os safety pins, os slogans impressos, os corpetes de outros tempos e o tailoring britânico, Westwood desafiou as normas sociais e trouxe uma nova visão para a Moda. Ela acreditava que a Moda deveria ser uma forma de “aproveitar a vida” e não apenas um conjunto de ideias vazias.

Fun Fact: Enquanto o movimento hippie promovia a paz e o amor, o punk surgia como uma resposta rebelde e anti-establishment. O contraste era tão grande que, em Londres, os punks usavam roupas rasgadas e acessórios de metal para desafiar diretamente o estilo dos hippies, simbolizando a tensão e a diversidade da época.

Pamela Rooke, aka Jordan, e Simon Barker, aka Six, com peças da loja Seditionaries, gerida por Vivienne Westwood e Malcom McLaren, circa 1977.
Fotografia: Getty Images

Mais é Mais

Os anos 80 foram marcados pelo excesso e pela ostentação. Ombreiras exageradas, cores neon e tecidos como a lycra dominaram a Moda. O "power dressing", com fatos de corte preciso e blusas de laço, tornou-se um símbolo de poder para as mulheres no ambiente corporativo. Marcas como Versace e Armani ganharam destaque, e a influência da música pop, com artistas como Madonna e Michael Jackson, foi significativa.

Fun Fact: Na década de 70, Nan Kempner foi barrada num restaurante de Nova Iorque por usar calças, que faziam parte do Le Smoking de Yves Saint Laurent. Para contornar a situação, ela transformou o blazer em vestido e conseguiu entrar.

Grace Jones, ícone de estilo para vários looks nos anos 80 - e ainda hoje.
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Ao Som de Seattle

Ainda hoje conhecido como “som de Seattle”, o grunge surgiu na década de 80, naquela cidade norte-americana, e associava-se a um estilo musical e visual marcado pela “sujidade”. O termo refletia o espírito anticonsumista do movimento, que valorizava a aparência desleixada e a economia em roupa. O visual icónico de Kurt Cobain, com cabelo desgrenhado, jeans rasgados e camisas usadas, consolidou o grunge na Moda. Designers como Marc Jacobs e Perry Ellis adotaram o estilo nos anos 90. A década de 1990 trouxe também uma reação ao excesso dos anos 80, com o surgimento do minimalismo. Criadores de Moda como Calvin Klein promoveram uma estética limpa e simples, com cores neutras e linhas descomplicadas.

Fun Fact: Charles R. Cross, jornalista de música, comentava acerca do visual do vocalista dos Nirvana: “Kurt Cobain tinha preguiça de usar champô”.

Kurt Cobain, vocalista dos Nirvana, fotografado por Koh Hasebe/Shinko Music, no Roppongi Prince Hotel, Tóquio, Japão, em fevereiro de 1992.
Fotografia: Getty Images

Novo Milénio

Nos anos 2000, a Moda foi marcada pela globalização e pelo avanço da tecnologia. A Internet revolucionou a forma com as tendências eram disseminadas e consumidas. A fast fashion, com marcas como Zara e H&M, tornou as últimas tendências acessíveis a preços mais baixos. 

Em 2013 surge, por sua vez e pelas mãos da agência K-Hole, o termo Normcore. Este descreve uma tendência que se afasta da diferenciação para abraçar a uniformidade, como reação a coleções excessivamente estilizadas. O Normcore foca-se em looks casuais, com paletas de cores neutras como branco, preto, bege e cinza, sem padrões ou logotipos. Alexander Wang destacou-se com peças básicas e de alta qualidade, especialmente na sua linha T, focada em essenciais como T-shirts.

A fast fashion ganhou fôlego e as montras de rua um alargado público, com diferentes poderes de compra.
Fotografia: Getty Images

Inclusão e Tecnologia

Na década de 2010, a Moda tornou-se mais inclusiva e diversificada, refletindo mudanças sociais amplas. A aceitação de diferentes tamanhos, etnias e identidades de género ganhou força. A tecnologia continuou a influenciar a Moda, com tecidos inteligentes e impressão 3D. Colaborações entre designers e outras indústrias, como a tecnologia e o desporto, resultaram em coleções inovadoras e multifuncionais.

Fun Fact: A sustentabilidade na Moda pode parecer um conceito moderno, mas tem raízes históricas profundas. Antes do surgimento da fast fashion, a roupa era feita para durar e frequentemente reciclada. No início do século XX, era comum reaproveitar e remendar as peças. O movimento atual em direção à Moda sustentável é um retorno a esses valores, enfatizando a qualidade e a durabilidade, ambos símbolos de consciência ambiental.

A modelo Bella Hadid numa performance em pleno desfile da Coperni, na apresentação da coleção da marca para a primavera/verão 2023, durante a Paris Fashion Week.
Fotografia: Getty Images

Publicado originalmente na edição "The Big Book of Trends" da Vogue Portugal, de setembro 2024, disponível aqui.

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