Ivan Garcia Hunga
Durante o mês de junho, a Vogue Portugal celebra o português como sinónimo de Moda de qualidade com entrevistas aos designers nacionais mais promissores.
A Moda não é apenas uma indústria. As alegações que esta não passa de uma máquina capitalista não são exatamente falsas, mas não deixam de ser redutoras. Para alguns, a Moda é uma metáfora perfeita para a próxima fase da evolução humana. Ivan Hunga Garcia lidera a revolução. O jovem designer apoia-se na investigação têxtil como forma de resolver os maiores desafios da indústria. Através de Haute Gardening Garcia cria uma alternativa aos padrões de consumo destrutivos. O conceito, inventado pelo designer, é uma mistura complexa entre design de Moda, desenvolvimento têxtil e land art. Nas mãos de Garcia, roupa transforma-se num ser vivo que respira e vive. Esta abordagem incomum é a forma que o designer encontra de, como o mesmo menciona, “confrontar a dinâmica de descartabilidade com um objeto de design.” De forma a promover a circularidade da indústria, Ivan Garcia coloca a responsabilidade no consumidor - a Moda não é algo que se usa, é algo que se acarinha.
Qual é a tua maior fonte de inspiração?
No meu processo criativo, a componente e compreensão de mecanismos anatómicos e químicos do corpo tem se destacado como o ethos do meu trabalho. Visceralmente, o comportamento de uma peça tem sempre como ponto de partida uma experiência sensorial de quem a veste. O que transparece para o espectador acaba por ser essa vulnerabilidade invisível, potenciada pelo que o objeto de design incentiva o modelo a expressar nos seus movimentos. Esta noção de ação-reação e de reflexão empírica sobre uma linguagem comportamental não só é o próprio alicerce de cada projeto como é o que constrói a componente de performance dentro de um universo onírico e especulativo.
Como é que a cultura portuguesa afeta o teu design?
No meu contexto familiar, existe um paralelismo entre o que é a organização de uma família portuguesa e qual é a experiência de uma amostra da diáspora angolana face os costumes portugueses. Essa transversalidade insistiu em escrever uma perspetiva efémera sobre o sentido de identidade coletiva e territorial.
Se esse sentido de pertença me era desconhecido, aquilo que me era palpável e tangível sobre a minha noção de corpo são as reações e memórias sensoriais. Os cheiros, os reflexos dos espelhos de água do rio que tanto passa em Abrantes como em Lisboa (Tejo), as provas físicas da passagem do tempo e sazonais que fauna e flora ibérica coloca em evidência.
Ao gerir uma operação low-tech, estas condicionantes externas são essenciais quando estou dependente do clima e da oferta sazonal de propriedades ambientais. Ainda, sendo uma operação nacional, a mesma reflete o ecossistema português e ibérico assim como os seus fenómenos climatéricos. A cultura e história botânica portuguesa acabam por ser fatores que influenciam direta e indiretamente o processo de cada projeto. Seja por fatores de circunstância, seja pelos simbolismos socioculturais associados a tipologias de flor ou mesmo memórias pessoais, como é o caso dos cravos.
Qual é o maior benefício de ser um designer de Moda em Portugal?
Em Portugal existe uma conexão direta com a produção e desenvolvimento têxtil, nomeadamente dado à confeção premium e fatores de sustentabilidade. Algo que de encontro com as minhas ambições me tem permitido contemplar de perto os processos de diferentes entidades que se podem vir a cruzar com os meus projetos numa componente de iniciativas empreendedoras. Um dos motivos pelos quais me mudei para o Porto após viver em Lisboa enquanto frequentava a Escola Artística António Arroio no curso de produção têxtil, foi essa noção de proximidade com os fornecedores que acabou por se refletir durante a minha licenciatura.
Qual é o maior desafio em ser um designer de Moda em Portugal?
Dito isto, em proximidade com o contexto de produção e distribuição, o “made in Portugal” tem um bom reconhecimento de forma geral. Porém, o conceito de design português enquanto movimento criativo ainda é algo recente na consciência popular. Sinto que esse posicionamento apresenta um discurso segregado nos seus meios de comunicação face um público que precisa de ser incentivado a contribuir e questionar sobre estas dinâmicas comerciais que competem com uma cultura internacional e homogeneizada.
Ainda, o que contribui para esse ciclo vicioso, o incentivo à criação artística e dinamização cultural independente apresenta-se superficial. Muitos artistas (e consequentemente designers) ficam com o seu potencial e disponibilidade diluídos entre pressões comerciais e condicionantes profissionais de modo a garantir segurança e estabilidade.
Quais são os teus objetivos para a tua marca?
Para mim não faz sentido contribuir para o mercado com mais geração de produto, já existem marcas suficientes para os diversos nichos. O meu objetivo é atribuir aos meus projetos a qualidade de um “não produto” vernacular e pessoal com a criação de um outro formato, ultimamente relacionado com a expressão de “life-centric design”.
Em prol de uma estrutura de laboratório, pensar em possibilidades site/client specific com uma utilidade efémera, mas com um ciclo de vida infinito. Ainda com mecanismos a polir, os meus procedimentos não têm valor material, mas sim imaterial. Não existe arquivo de coleções, não existe stock de materiais. O material que é gerado em atelier tem uma finalidade concreta, a criação de um momento.
A minha prioridade é estabelecer um (eco)sistema interno composto por procedimentos semiautónomos em colaboração com organismos vivos. O projeto é comunicado como um fenómeno que expande e retrai em resposta das suas necessidades, hiberna mas não para, demorando nem mais nem menos que o tempo certo.