Entrevistas  

A peça que faltava: Renata Litvinova fala sobre "Monstre Sacré", o fascínio por Old Hollywood e a colaboração com Demna Gvasalia

10 Mar 2025
By Vogue Portugal

Renata Litvinova em Balenciaga

A felicidade também está na Cultura, principalmente aquela que nos preenche: e “Monstre Sacré” é um desses exemplos em diversos sentidos. Renata Litvinova é a argumentista e protagonista desta peça de teatro e veste figurinos assinados por Demna Gvasalia. Em cena entre março e maio no Théâtre Hébertot, em Paris, falámos com a autora sobre este “Monstro Sagrado”.

Renata Litvinova é uma das vozes mais enigmáticas e fascinantes do cinema e do teatro contemporâneo. Atriz, realizadora e argumentista, a artista russa construiu uma carreira marcada por uma estética única e personagens imortalizadas pelo seu carisma e intensidade. Em Monstre Sacré, a sua mais recente peça apresentada em Paris, Litvinova mergulha na obsessão pela Arte, na luta contra o tempo e na eterna reinvenção do artista. Em conversa com a Vogue Portugal, a artista - que é também protagonista deste editorial de Moda - revela os bastidores da criação desta obra que promete arrebatar Paris.

Escreveu, realizou e protagonizou Monstre Sacré. Como foi o processo criativo?

Esta já é a minha segunda peça em Paris. Para ser honesta, os processos criativos são sempre semelhantes - são alegres, nervosos, dramáticos, cheios de esperanças, ilusões, noites sem dormir e, claro, envolvem muito trabalho. Mas, acima de tudo, é um trabalho comigo mesma, pois desempenho três papéis - autora, realizadora e atriz. No entanto, a minha equipa ajuda-me imenso. Trabalho com muitos deles há vários anos, como, por exemplo, com a brilhante compositora Zemfira e o excecional génio Demna, que desenha os meus figurinos. Com ele, já realizei tanto filmes como peças de teatro.

A peça presta homenagem a Sunset Boulevard e ao mito da estrela esquecida. O que retirou desse filme e como o transformou em algo único e pessoal?

Sou há muito tempo uma fã devota dos filmes de Billy Wilder e Ernst Lubitsch. Cativam-me pelo grande estilo de Hollywood, que combina comédia, noir, mistério, crime e amor. Claro que esta é uma homenagem aos meus realizadores favoritos e à admiração por aquelas estrelas da Era Dourada do cinema que participaram nos seus filmes - Marlene Dietrich, Greta Garbo, Bette Davis, Barbara Stanwyck e, claro, Marilyn Monroe. Talvez eu tenha trazido mais loucura – nunca me parece suficiente. Trouxe uma obsessão pela profissão e a necessidade de novos papéis e de um novo amor. Trouxe os meus heróis, inspirados pela construção impecável que Wilder e Lubitsch criaram, não só como realizadores, mas também como argumentistas - tal como eu.


Há um certo ar de exílio na história: o exílio da indústria, da juventude, do próprio passado. Por que motivo foi Paris o cenário perfeito para este retiro da personagem?

Não há lugares ideais. Fugimos, mas tudo continua dentro de nós. E Paris é bela no seu caos criativo - toda a gente corre para lá em busca de liberdade e amor. Não concorda? E, pelo contrário, a peça está impregnada com algo que nunca pode ser expulso da criatividade - os heróis não param de escrever o seu "grande filme", filmam-se a si próprios, constroem cenários no seu palácio. Em suma, a casa onde vivem é um verdadeiro estúdio de cinema, onde as filmagens e ensaios nunca cessam - está a ser criado um tipo de arquivo, uma criatividade "na gaveta" - isto é arte pura! E, além disso, na minha peça anterior, Cactus, tivemos lotação esgotada em Paris - o meu público vive aqui.

A personagem que interpreta é uma estrela de cinema, uma espiã e, possivelmente, uma assassina. O que a torna fascinante para si? Ela é um reflexo do próprio cinema, das suas ilusões, reinvenções e perigos?

Antes de mais, é sempre mais interessante interpretar vilões, mas ela não é uma vilã. É uma atriz obcecada pelos papéis que nunca chegou a interpretar. O propósito da sua vida é servir a sua Musa do Cinema. Ela transformou até a sua casa num estúdio de filmagem, onde constantemente grava e realiza audições para o guião que tem vindo a escrever incansavelmente ao longo da última década.

O que significa para si hoje, como artista, mulher e contadora de histórias, o conceito de "urgência", um dos temas centrais da peça?

O tempo parou para a minha heroína - ela vive no seu próprio conto de fadas, preparando-se para um novo projeto inexistente que ocupará toda a sua vida.


Descreveu Monstre Sacré como uma mistura de thriller e tragicomédia, a história de uma estrela de cinema que se agarra a um futuro impossível. Vê isto como uma metáfora da eterna luta do artista contra o tempo?

Poucos estão preparados para o envelhecimento - ainda mais para um envelhecimento belo -, especialmente as atrizes, pois, depois dos 50 anos, a oferta de papéis principais diminui drasticamente. E começa esta perseguição incessante à juventude, aos papéis de "starlet" - tão comovente como em O Pomar das Cerejeiras, de Tchekhov: "tudo no mundo chega ao fim". Aceitar esse fim ou lutar contra ele - um dia, todos teremos de enfrentá-lo.

Esta obra é também uma rebelião contra a obsessão da sociedade pela juventude?

"Estás a envelhecer, já não tens 25 anos..." Esta é uma crítica de um jovem herói que diz à minha personagem que já não há papéis para ela aos 50. Mas ele está enganado - é ele quem a está a usar e manipular, apesar de ainda ser um jovem autor de filmes nunca realizados aos 40 anos.


Demna Gvasalia desenhou os figurinos para Monstre Sacré. Como foi o processo de colaboração?

O Demna é um génio intemporal. Ele revolucionou o mundo da Moda, cancelou tudo o que era tendência na altura e, hoje, tornou-se um grande clássico da Moda – todos o citam, seguem e se inspiram nele. Eu também. Houve outros génios na minha vida, mas são poucos – Zemfira, Kira Muratova, Alexey Balabanov e Demna. O papel dessas pessoas é inestimável - são omnipresentes. E, claro, não posso deixar de referir a nossa compositora - a grande estrela Zemfira Ramazanova - trabalhamos juntas há 20 anos e fizemos muitos filmes e peças de teatro. Ela deixou a Rússia com o início da operação militar especial, agora vive e trabalha em Paris. Considero-a uma música brilhante, que enche os auditórios dos seus concertos. E o seu trabalho no cinema e no teatro é uma parte da magia que me ajuda tanto a mim e aos meus espectadores.

Na Moda, há pessoas como Demna, mas são raras – transformam a Moda em arte. Cada desfile do Demna é uma declaração e um conceito. Foi um dos primeiros a trazer para a passerelle heróis e personagens esquecidos, antigos ídolos de artistas conceptuais - com um amor e respeito extraordinários. A Moda de Demna sempre me tocou e inspirou. Há algum tempo, comecei a ver todas as minhas heroínas com os seus olhos e vestidas com as suas criações.

Esta é a nossa segunda atuação em França, em Paris, com Demna, onde ele criou todos os figurinos para as minhas heroínas. Antes disso, fizemos juntos o filme Northern Wind , onde ele costurou um vestido com uma cauda de 20 metros especialmente para a minha heroína - é exatamente o número de anos que a minha personagem espera pelo seu amante. E agora temos este novo projeto sobre uma estrela de cinema envelhecida, em que os fatos não se repetirão em todas as atuações. Será como uma continuação, e não uma repetição da mesma ação. Tudo será novo, como se fosse a primeira vez.


Após a última cena, o que espera que permaneça com o público?

O objetivo de qualquer arte é catarse. E o meu também. Quero que o espectador saia renovado e purificado. E, ainda assim, feliz e cheio de esperança.

Por fim, considerando que a personagem sonha em permanecer grandiosa e eternamente relevante, perguntamos: existe uma chave para a imortalidade artística?

A minha heroína é imortalizada pelo cinema - pelo grande filme no qual uma vez atuou. Nele, nunca envelhecerá nem morrerá. A vida segue leis diferentes, que para a minha heroína são completamente irrelevantes. Ela é como uma personagem de um conto de fadas, ou melhor, de um filme.




Todos os looksBalenciaga
TalentRenata Litvinova
Produtor executivoKseniia Maltceva
FotografiaDenis Nemyachenko
StylingAlexandra Osina
CabeloAlexis Parente
MaquilhagemDyna Dagger
ComunicaçãoRoma Lansky
Vogue Portugal By Vogue Portugal
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