Constança Entrudo outono/inverno 2025. Fotografia: Instagram @lisboafashionweek
Do regresso de Alves/Gonçalves à (notável) ausência de Béhen, os criadores nacionais voltaram à passerelle do Pátio da Galé para mais uma edição da ModaLisboa, onde apresentaram as suas coleções para a próxima estação fria.
Numa união entre os diferentes prismas da Moda e do design, a 64ª ModaLisboa, que decorreu nos passados dias 6 a 9 de março, surgiu como uma carta de amor à cidade à qual o evento chama casa. Sob o mote Capital, esta edição da Lisboa Fashion Week visou a inovação criativa como uma potência cultural e económica tão exímia quanto inevitável, e viu alguns dos principais criadores do panorama nacional a assumir o controlo da passerelle do Pátio da Galé, para apresentar as suas coleções de outono/inverno 2025.
Antes de chegarmos ao Pátio da Galé, o assumido palco principal do evento, Constança Entrudo apresentou as suas novas propostas na Sala Estúdio do recém inaugurado Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. Intitulada Second Best, a coleção reflete a obsessão (nem sempre saudável) da sociedade com a meritocracia, ao celebrar o segundo lugar através de peças que materializam as texturas do esforço e a beleza do silêncio inerente à aceitação. Numa apresentação sensorial que incluiu uma instalação têxtil criada exclusivamente para a ocasião, a coleção inspirou-se no vestuário dos Jogos Olímpicos da década de 80. No que toca a materiais, o foco foram matérias que tendem a ser negligenciadas, assim como uma engenharia de construção têxtil que destaca prateados impressos, malhas que parecem veludos, tafetás plissados à mão e faixas inspiradas nos concursos internacionais de beleza.
Já no Pátio da Galé, a fase final do concurso Sangue Novo – iniciativa que visa estabelecer novos talentos na Moda e cuja primeira fase decorreu durante a edição passada da Lisboa Fashion Week – inaugurou a passerelle do evento. Após o desfile das novas coleções dos cinco finalistas, a apresentação concluiu com a entrega de prémios, com Duarte Jorge a ganhar o prémio ModaLisboa X IED Istituto Europeo di Design e Gabriel Silva Barros a sagrar-se vencedor do prémio ModaLisboa X RDD Textiles.
Numa apresentação em formato workstation, a coleção outono/inverno 2025 de Inês Barreto inspira-se em Fernando Pessoa e no seu Livro do Desassossego, através de peças que espelham a forma como cada fragmento se une em prol de um todo maior. Com uma abordagem propositadamente desordenada e sem restrições de texturas, as propostas da designer surgiram numa miscelânea de materiais e técnicas, aliada a looks de beleza tão coloridos quanto expressivos. Por sua vez, Mestre Studio levou-nos numa viagem no tempo até ao limbo da infância e adolescência. As propostas do jovem criador teceram uma narrativa que espelha a dualidade entre a inocência e a rebeldia; de peças feitas com tricot feito à mão, a blusões, calças em ganga com detalhes aplicados e carteiras em cerâmica (uma colaboração com a eggs.pt, de Mariana Gomes), a coleção alude à simplicidade das memórias e à transição para novos começos num complexo mundo digital.
Para finalizar o primeiro dia de desfiles da ModaLisboa, o regresso de Alves/Gonçalves à passerelle do evento – após uma ausência de mais de dois anos – homenageou Manuel Alves, que morreu em 2024 e formava dupla com José Manuel Gonçalves. Com uma coleção marcada por uma alfaiataria exímia que une as linhas do guarda-roupa masculino ao empoderamento feminino, a coleção foi uma masterclass em construção de silhuetas. Num desfile tão antecipado quanto emotivo, a apresentação terminou com uma ovação em pé por parte da sala – após a saída e agradecimento do outrora recatado Gonçalves que, em nome da saudade inabalável que sente pelo seu par, assume agora as rédeas do olhar do público.
O segundo dia da ModaLisboa arrancou com o desfile de Carlos Gil, cujas propostas para o próximo outono/inverno provaram que a estação fria não tem de ser sinónimo de uma paleta sóbria. Com padrões ecléticos e uma estética exuberante que prioriza a qualidade de silhuetas e texturas, a coleção do criador inspira-se no limbo que surge entre o maxi e o minimalismo, e reafirma a Moda como uma reflexão da autenticidade que vive na individualidade de cada guarda-roupa. No que ao calçado diz respeito, Luís Onofre apresentou uma coleção que reinterpreta as estéticas icónicas da década de 2000-2010 sob uma visão contemporânea. Num leque de tonalidades quentes, detalhes dourados e um saber-fazer com uma qualidade intemporal, o designer equilibra a nostalgia e a modernidade, das quais se destacam botas de salto (muito) alto e propostas com uma silhueta mais bulky.
Luís Carvalho fechou o segundo dia da Lisboa Fashion Week com uma coleção que espelha a eterna agitação dinâmica da cidade e o caos que nela habita. Numa reinvenção da tendência corporativa dos anos 90, as propostas do designer surgiram em silhuetas fluidas, sempre contrastadas com cinturas definidas e ombros estruturadamente largos. Com a alfaiataria como ponto de partida, a coleção assenta no mote da funcionalidade aliada à estética da forma feminina, através de um styling que prioriza os detalhes e espelha o espírito do desfile. Além disso, num compromisso com a sustentabilidade, grande parte dos materiais utilizados na coleção foram fabricados através de tecidos de deadstock ou de fibras recicladas.
O terceiro (e último) dia da ModaLisboa levou-nos novamente até ao universo do calçado, com a apresentação da Portuguese Soul pela Apiccaps, que decorreu no MUDE. Numa ode à durabilidade do saber-fazer português, as propostas de marcas como Calçado Penha, Carlos Santos e Miguel Vieira reafirmaram a importância e responsabilidade dos pequenos produtores, através de um leque de botas e sapatos em pele, que garantem um toque especial ao guarda-roupa da próxima estação fria. De volta ao formato workstation, a coleção outono/inverno 2025 de Arndes surgiu como uma assumida metamorfose entre materiais, texturas e até conceitos, numa paleta regida pela neutralidade do castanho e sobriedade do azul. Com silhuetas que subvertem significados tradicionais e uma construção repleta de cortes irregulares – da camisaria aos tecidos de lã e peças em tricot –, a jovem designer optou por uma abordagem híbrida e desafiante, que capta a essência (por vezes caótica) do processo criativo.
Por fim, Dino Alves encerrou a passerelle do evento com uma coleção inspirada pela singularidade de algumas das mais icónicas personalidades ao longo da história. Sob o constante compromisso de desafiar limites, as propostas do criador utilizaram matérias têxteis criadas minuciosamente em atelier, como tule, ganga orgânica, seda selvagem e lã. Com silhuetas numa panóplia de cores, materiais e estruturas, a coleção vestiu o mote da 64ª edição da ModaLisboa, numa prova que o vestuário vive para lá das portas e gavetas de um guarda-roupa: é um verdadeiro símbolo de capital.
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