No mês de junho, muitas são as empresas que demonstram o seu apoio pela comunidade LGBTQIA+, mas, com a latente falta de transparência por parte destas, questiona-se: será este apoio apenas uma estratégia de marketing?
No mês de junho, muitas são as empresas que demonstram o seu apoio pela comunidade LGBTQIA+, mas, com a latente falta de transparência por parte destas, questiona-se: será este apoio apenas uma estratégia de marketing?
© Getty Images. Artwork by Mariana Matos
© Getty Images. Artwork by Mariana Matos
Nove anos após os Stonewall Riots, em 1969, o episódio catalisador de todo o movimento de direitos LGBTQIA+, o ativista Gilbert Baker criou a primeira bandeira arco-íris. Rapidamente se tornou um sinónimo da comunidade, um símbolo da resistência e do património cultural de toda a identidade queer. Passadas mais de quatro décadas, a banalidade da utilização desta seria com certeza um motivo de orgulho para Baker… Ou talvez não. A instrumentalização da bandeira por empresas é utilizada como forma de demonstrar apoio à comunidade LGBTQIA+, especialmente durante o mês de Pride. Dia 1 de junho, com uma pontualidade assustadora, milhares de empresas lançam coleções e publicidades que se fundamentam no apoio a indivíduos queer, com arco-íris e mensagens de “love is love” para o provar. As linhas entre marketing e ativismo confundem-se, serão estas estratégias empresariais baseadas no apoio da comunidade LGBTQIA+ ou meros exemplos de rainbow washing?
O fenómeno de rainbow washing caracteriza-se pela utilização da simbologia queer, como o arco-íris, para promover todo o género de produtos, desde roupas a seguros de carros. Desta forma uma empresa passa uma imagem de apoio aos direitos da comunidade LGBTQIA+ sem ter de o provar de qualquer outra forma. Esta estratégia permite captar a atenção (e o dinheiro) de não só pessoas queer, como de todos que queiram demonstrar o seu apoio por estas. Enquanto tática comercial é extremamente inteligente, a população LGBTQIA+ aumenta diariamente, aliás, de acordo com uma análise por parte da publicação Gay Times, está prevista atingir o número de mil milhão de indivíduos na população mundial até ao ano de 2050.
Mas, mesmo antes de atingir este nível populacional, indivíduos queer têm um poder de compra considerável. De acordo com a Forbes, em 2019, adultos que se identificam no espectro LGBTQIA+ tinham um peso económico de cerca de 3.7 triliões de dólares. Intitulado de pink money (dinheiro rosa), o poder de compra de indivíduos queer é particularmente apetecível, já que, estatisticamente, o seu rendimento disponível é superior ao dos seus contrapartes heterossexuais. Captar o pink money é mais simples do que esperado, de acordo com um artigo da publicação Marketing Mag, cerca de 70% de indivíduos homossexuais admitem que são influenciados por publicidade que contenha alguma mensagem de apoio à comunidade LGBTQIA+.
"Este género de fenómenos elevou as coleções Pride ao estatuto de meme, extensamente ridicularizadas por aqueles que, nestas estratégias de marketing, vêm apenas a procura do lucro."
A percepção deste fenómeno por parte de entidades com fins lucrativos levou a uma quantidade gargantuesca de campanhas e coleções dedicadas inteiramente à expressão e celebração queer. Estes esforços são valorizados quando substanciados com contribuições para a comunidade, como donativos a ONGs que dedicam a sua atividade à luta pelos direitos LGBTQIA+. O problema reside no insucesso desta missão pela maioria das empresas com campanhas Pride, contentando-se a colocar arco-íris (ou qualquer expressão clichê, como fierce) em merchandise. Ainda que estas tentativas resultassem num passado não tão distante, à medida que a consciência pública de assuntos sociais cresce, tornamo-nos mais críticos daqueles que procuram lucrar à conta de uma população discriminada.
Existem também aqueles que, na recusa de contribuição para causas LGBTQIA+, vão mais longe. Atrás de campanhas vistosas de orgulho queer estão provas financeiras de contribuições para políticas homofóbicas e transfóbicas. Tal é o caso de Walmart, o gigante de supermercados americano lança todos os anos a sua coleção Pride & Joy, ainda que, desde 2019, tenha contribuído mais de 30.000 dólares a legisladores do estado americano de Arkansas que, nos últimos anos, aprovaram projetos de lei abertamente transfóbicos, como a proibição de tratamentos hormonais à juventude transgénero. Este género de fenómenos elevou as coleções Pride ao estatuto de meme, extensamente ridicularizadas por aqueles que, nestas estratégias de marketing, vêm apenas a procura do lucro.
A monetização da iconografia queer, representante da luta pelos direitos LGBTQIA+, é sagrada para os herdeiros deste movimento, o apoderamento por parte daqueles que nesta veem apenas dinheiro fácil é interpretada como desrespeitosa. Adicionalmente, induz em erro aqueles que procuram apoiar a comunidade LGBTQIA+ através da compra de produtos que, à primeira vista, parecem favorecer uma comunidade discriminada. Campanhas de Pride são importantes para financiar as instituições que de facto avançam direitos queer, mas a inanidade de muitas diluem a importância da celebração. Historicamente o mês de junho é dedicado à amplificação de vozes e histórias queer, não a t-shirts com arco-íris. Ainda que estas sejam uma forma excelente de demonstrar visualmente o apoio à comunidade LGBTQIA+, correm o risco de não passar de uma oca demonstração de rainbow washing.