Príncipes e princesas, casamentos e divórcios, viagens ao paraíso, existências de sonho, rumores, revelações, pretendentes e tradições. Este é o mundo das revistas cor-de-rosa. São páginas e páginas de uma realidade construída com desejos e alguma magia, de histórias aumentadas até se transformarem em fábulas, que nem sempre têm final feliz.
Príncipes e princesas, casamentos e divórcios, viagens ao paraíso, existências de sonho, rumores, revelações, pretendentes e tradições. Este é o mundo das revistas cor-de-rosa. São páginas e páginas de uma realidade construída com desejos e alguma magia, de histórias aumentadas até se transformarem em fábulas, que nem sempre têm final feliz.
Estávamos a nove de abril de 2021 quando o Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo, morreu. O marido da Rainha Isabel II de Inglaterra teve uma vida cheia e longa, um amor duradouro e um casamento de conto de fadas ao qual não faltou sequer – obviamente – uma rainha. A sua história foi contada uma e outra vez, e só não será conhecida por quem não deu atenção às publicações especializadas na vida social que saíram nos dias posteriores à sua morte – uma morte mais ou menos esperada, mais ou menos antecipável, e amplamente documentada. O desaparecimento do príncipe e as cerimónias que marcaram as suas despedidas permitiram revelar, com algum detalhe, a encenação que envolve um evento deste tipo, o funeral de alguém com esta dimensão social e mediática, além da sua função efetiva – que o príncipe desvalorizava com o humor que sempre o caracterizou, dizendo “eu não tenho importância, a minha mulher é que é importante”.
Mesmo num momento de tamanha tristeza e de recolhimento da família real britânica, foi notório o cuidado extremo em apresentar um teatro imaculado: a parada militar, os vestidos e as joias das senhoras, os fatos dos cavalheiros da família, as máscaras mais que perfeitas, os horários escrupulosamente cumpridos, a precisão dos gestos, a sincronização dos rostos, dos olhares, dos acenos, dos silêncios. Perguntamo-nos: para quê e para quem? A resposta é fácil: para o mundo inteiro, que os observava com atenção, como se visse partir alguém que lhe é próximo. É que a família real britânica é realmente próxima de todos nós. Quem não conhece os laços familiares, as intrigas e os escândalos em torno da vetusta Rainha Isabel II? As histórias dos seus filhos, nomeadamente o Príncipe-herdeiro Carlos, e do seu divórcio? E dos filhos deste, que são netos da rainha, um dos quais é um intratável rebelde? A presença da família real britânica nos noticiários é razoavelmente assídua; o protagonismo e a presença dos Windsor atingem o clímax na imprensa especializada nestas vidas que fazem sonhar – nas chamadas revistas cor-de-rosa.
Anne, Princesa Real, Príncipe Charles, Príncipe de Gales, Príncipe Andrew, Duque de York, Príncipe Edward, Earl de Wessex, Príncipe William, Duque de Cambridge, Peter Phillips, Príncipe Harry, Duque de Sussex, Earl of Snowdon David Armstrong-Jones e Vice-Admiral Sir Timothy Laurence © Getty Images
Anne, Princesa Real, Príncipe Charles, Príncipe de Gales, Príncipe Andrew, Duque de York, Príncipe Edward, Earl de Wessex, Príncipe William, Duque de Cambridge, Peter Phillips, Príncipe Harry, Duque de Sussex, Earl of Snowdon David Armstrong-Jones e Vice-Admiral Sir Timothy Laurence © Getty Images
Príncipes e princesas
O rigor e os rituais de umas cerimónias fúnebres como as do Príncipe Filipe não são apenas protocolo. Há nessas cerimónias uma exibição de virtuosismo, de compostura, de dignidade, com a mais real família de todas as famílias reais a dar uma verdadeira lição à plebe, que é o resto do mundo, ora contemplando atentamente, como se tentasse aprender, ora admirando a elevação com que tudo decorre e como todos se comportam (e se movem, e se sentam, e caminham, e existem). Compreende-se. Quando um príncipe morre, ele morre simultaneamente em dois sítios: na (sua) vida real e nos nossos sonhos com vidas de realeza. Na mesma medida, a imprensa cor-de-rosa cumpre uma função dupla: acompanha as vidas dessas figuras de grande dimensão social, ao mesmo tempo que cultiva junto do leitor o sonho desse tipo de existência e a ilusão de que conhecemos os seus protagonistas.
Em Portugal, não temos reis e rainhas, mas ainda assim tivemos um muito mediático casamento real. Acontece que a rainha consorte teve o azar de vir a ser a mulher do rei num estado que é republicano. O facto de D. Duarte Pio de Bragança ser o putativo herdeiro de um trono português que já não existe não impediu que inspirasse espíritos nobres e que desse esperança até à nobreza já extinta quando, com a pompa e um mediatismo dignos dos reis a sério – como os há lá fora, em Inglaterra e em Espanha, por exemplo – se casou, primeiro, e gerou descendência, um bocadinho mais tarde, fazendo as delícias das revistas que o ostentavam, bem como à família, em aristocráticas capas: ei-lo, o monarca possível, aquele que podíamos ter se se usasse por cá ter um rei.
É incontornável: os reis e as rainhas, os príncipes e as princesas, sugam a atenção mediática, os focos e os flashes das máquinas fotográficas, preenchendo com as suas histórias e aparições públicas as páginas mais nobres – pun intended – das revistas cor-de-rosa. Mesmo em Portugal, onde o rei que temos é, como se viu, um cidadão corrente e sem peso institucional, a atenção que as revistas da especialidade dedicam à realeza é absolutamente notável. Peguemos em exemplos: nas edições da semana após as cerimónias, o funeral do Príncipe Filipe mereceu um destaque de quatro páginas na Nova Gente e de sete na Lux. A Caras, que será a publicação que mais se aproxima da fórmula mágica da espanhola Hola (lá chegaremos, mais à frente), dedicou ao evento 11 páginas (na Hola, o assunto mereceu 12). Ainda na Caras, um fato vermelho utilizado em público pela sexta vez (!) pela Rainha Letícia de Espanha também teve direito a uma página inteira. Ressalve-se que, no que toca às exéquias no Castelo de Windsor, foram recorrentes os comentários à simplicidade da cerimónia e à elegância de Kate Middleton, duquesa de Cambridge, nora do Príncipe Carlos, mulher do Príncipe William.
O look que Kate levou ao funeral do Duque de Edimburgo mereceu, aliás, atenção especial e observação aturada por parte de todas as publicações consultadas no decorrer da produção deste texto. Os brincos que Kate escolheu, bem como o vistoso colar que levou ao pescoço, pertencem à coleção da própria rainha e, verdade seja dita, assentam perfeitamente no estilo distinto e sereno, embora assertivo e cheio de carácter, da duquesa. Por fim, o carro que transportou o féretro de Filipe também mereceu olhares atentos. Tratou-se muito adequadamente de um Land Rover Defender de caixa aberta, o todo-o-terreno de eleição do duque de Edimburgo. Todos estes detalhes, aparentemente eivados de irrelevância, são importantes para que possamos entender a dimensão da encenação de que se falava no início do texto: as revistas vão olhar, registar, interpretar e comunicar aos seus leitores, atentando em tudo, do mais genérico ao mais detalhado, que compõe a performance.
Para lá da realeza
Evidentemente, nem só de reis e rainhas vivem as revistas do social, até porque não são apenas os nobres que nos inspiram. Um exemplo rápido: na Nova Gente, Roberto Carlos, que também é apelidado de “rei”, sim senhor, mas pelo povo que o adora, mereceu um destaque de três páginas porque fez 80 anos. Os artistas, sobretudo aqueles que habitam o firmamento da nossa imaginação, são muitas vezes role models e fontes de inspiração merecedores de páginas e mais páginas. Outras figuras que surgem amiúde são os protagonistas televisivos, principalmente entre as publicações portuguesas. De atores a apresentadores de TV, são muitos os que contam as suas histórias, apresentam as suas novidades, ou fazem revelações sobre a vida que levam ou, em tempos, levaram.
Os apresentadores de televisão são, com frequência, descritos como “acarinhados pelo público”, variando, de caso para caso, entre serem “muito” ou “os mais”. As compras, as casas, os novos looks, as férias em locais paradisíacos, tudo isto pode ser motivo para uma conversa de duas páginas e outras tantas – ou mais ainda – com fotografias. Em comum, todos estes protagonistas e histórias têm o fascínio que exercem sobre os leitores das revistas cor-de-rosa, que os veem como ídolos, como modelos, ou até como ódios de estimação – sim, porque ser figura pública tem sempre um lado B, e esse lado B também vende.
"Em comum, todos estes protagonistas e histórias têm o fascínio que exercem sobre os leitores das revistas cor-de-rosa, que os veem como ídolos, como modelos, ou até como ódios de estimação."
A atualidade que encontramos neste tipo de revistas foge mais facilmente ao mundo de ilusões que se cria nas restantes páginas. A realidade aqui é muito menos cor-de-rosa. As publicações portuguesas continuam a olhar atentamente, por exemplo, para a tragédia recente na família Carreira. O divórcio de Iker Casillas e Sara Carbonero tem também amplo destaque. Algumas figuras públicas que, nos últimos tempos, têm estado distantes da ribalta e dos holofotes surgem ainda em algumas das publicações: de Rute Marques a Isabel Angelino, de António Calvário a Marta Aragão Pinto, passando ainda pelos casos muito sérios de Daniel Sampaio, que sofreu severamente com a COVID-19, e da denúncia pública de assédio sexual protagonizada pela atriz Sofia Arruda.
Infelizmente, nem tudo é cor-de-rosa e por vezes chega mesmo a ser muito sombrio, ainda que no meio da chamada “alta sociedade.” Porém, logo a seguir ao percalço da realidade, as revistas cor-de-rosa tentam transportar-nos rapidamente de volta para aquele círculo celestial onde acontecem as coisas boas e o mundo é mais bonito. Voltamos então a encontrar famílias inspiradoras, quase sempre repletas de crianças e não raramente ostentando bebés fotogénicos aos quais ninguém consegue resistir, nem este que vos escreve. A propósito, numa das publicações encontra-se uma coluna de etiqueta para crianças, um espaço pedagógico que, no contexto, faz todo o sentido. Para rematar, não é raro o recurso ao remédio inspiracional que são as filosofias e respetivas práticas para uma vida perfeita. Se, há algumas décadas, acabar com a pobreza e com a fome eram o principal desígnio de quem queria mudar o mundo, hoje em dia a tendência reflete a máxima que diz que, para mudar o mundo, devemos mudar-nos a nós mesmos primeiro. É neste capítulo que surgem histórias e dicas acerca de mudanças de estilo de vida, que passam a consistir numa existência consciente e sustentável, numa busca constante pelo equilíbrio e pelo bem-estar, usando plástico só em último caso. Por fim, claro, não podiam faltar os signos, onde sempre surge uma figura pública em destaque para ilustrar o “signo da semana”.
A espuma da vida
“Uma publicação para sonhar, para distrair, sempre elegante, sempre de bom-gosto”, é assim que Eduardo Sánchez Pérez descreve a Hola, publicação que hoje dirige. A descrição, essa, foi criada pelo avô, Antonio Sánchez Gómez que, juntamente com Mercedes Junco Calderón, fundou a revista em 1944. “A Hola deve trazer nas suas páginas aquilo a que o seu fundador veio a chamar ‘a espuma da vida’. A Hola é a revista das boas notícias.” Não escolhemos a Hola por acaso. As revistas dedicadas ao social e ao estrelato nasceram nas primeiras décadas do século XX. O despontar do cinema, o aumento das publicações e dos géneros de jornalismo, o crescente número de salas de espetáculos nos Estados Unidos e na Europa, aquilo a que podemos chamar “massificação da popularidade”, ou a fama, vieram despertar junto do público uma avidez até então desconhecida: a de saber como se comportavam as estrelas, os famosos, se eles eram pessoas como as demais, comuns mortais, o que os tornava especiais.
“A vida das pessoas com êxito cria sempre interesse, e dá gosto saber mais sobre elas.” Eduardo Sánchez Pérez
Muitas revistas do género se destacaram ao longo do século XX e algumas prolongaram a sua existência até ao século XXI, mantendo intacta a sua jovialidade – a People, por exemplo, pode ser vista como a rainha das revistas do social, atingindo números impressionantes nos Estados Unidos: tem um alcance de cerca de 100 milhões de leitores por número. No entanto, nenhuma publicação encarna o espírito de revista cor-de-rosa como a Hola. “Apostamos num jornalismo humano e amável”, diz Sánchez Pérez, sublinhando a “fidelidade aos valores fundamentais: a qualidade e a verdade”. O diretor da revista considera ainda que “construir um mundo melhor, mais positivo, coeso e amável”, os princípios orientadores da Hola “desde o primeiro número”, são o que a distingue das demais publicações do género. Não sabemos se será exatamente assim, até porque a própria Hola serviu de modelo a muitas outras revistas que se lhe seguiram, mas o certo é que aposta muito menos no mexerico e muito mais no sonho e na inspiração do que algumas das suas concorrentes espalhadas pelo mundo – e é melhor nem falar nos tabloides ingleses, por exemplo, cujas edições se alimentam essencialmente de fotos tiradas por paparazzi escondidos em arbustos e rumores de boatos que alguém diz que alguém disse.
Qual é, afinal, o segredo para o sucesso deste tipo de publicações? Onde reside a raiz do nosso fascínio? Sánchez Pérez não tem dúvidas: “A vida das pessoas com êxito cria sempre interesse, e dá gosto saber mais sobre elas.” Alimentarmos a ilusão com sonhos às custas do sucesso alheio não tem nada de mal (é muito melhor do que sentir inveja) – por outro lado, não são raros os relatos de leitores que consideram que este tipo de leitura os acalma e torna mais serenos. “Portanto, essas pessoas de sucesso, por vezes, convertem-se em modelos sociais de quem gostamos e que queremos imitar. Queremos saber mais sobre os seus gostos, sobre a sua personalidade, as coisas importantes que lhes acontecem e como enfrentam as situações difíceis.” O diretor remata assertivamente: “Acredito que o fascínio pelas pessoas que importam sempre existiu e sempre existirá.” A Hola dedica uma página ao modo subtil como a Rainha Letícia reutiliza as suas roupas – com ênfase no tal conjunto vermelho usado pela sexta vez –, o mesmo número de páginas que o divórcio de Jennifer López e Alex Rodríguez ocupa.
Artigo originalmente publicado na edição de maio de 2021 da Vogue Portugal.
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