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Semana de Moda de Londres: a luz ao fundo do túnel

28 Feb 2025
By Pedro Vasconcelos

Burberry © Launchmetrics Spotlight

Após anos de precariedade, os designers britânicos não só continuam a lutar, como alcançam novos picos criativos.

The London bridge is falling down.” As palavras de Azealia Banks sobre a Semana de Moda de Londres expressam um sentimento partilhado por muitos. Há anos que o evento mais importante da indústria britânica sofre. Quer seja pelo crescente magnetismo de Milão e (especialmente) Paris, quer pelas implicações logísticas e financeiras do Brexit, a presença da Moda na cidade tem definhado. Mas a esperança é a última a morrer. Ainda que seja inegável que até as marcas britânicas achem consolo noutras capitais—McQueen e Vivienne Westwood em Paris, Martine Rose em Milão—nem por isso a qualidade do que foi apresentado pela semana diminui. Os designers britânicos mostraram-se imunes a quaisquer que sejam os rumores maliciosos proferidos pela cidade. Se muito, houve um esforço, e consequente sucesso, em mostrar a validade da cidade no circuito internacional. 

Começamos por onde este esforço foi mais alto. Na Burberry, indiscutivelmente a marca mais icónica da cidade, as marés começam a mudar. Após as últimas estações onde a crítica tem sido letal com o diretor criativo Daniel Lee, o outono/inverno 2025 marca o começo de algo novo. Enfeitada de replicações digitais de mantos tradicionalmente ingleses, a Tate Britain foi a maternidade desta nova era. Se a missão de Lee de se concentrar na identidade britânica foi difícil de compreender no passado—perdida nas implicações políticas desse tipo de identificação—esta estação Lee apoiou-se em estereótipos de como a identidade é representada. Nos bastidores, o diretor criativo cita Saltburn (2023) como um dos seus pontos de referência. A inspiração foi concreta: a classe alta britânica ridicularizada pelo seu privilégio. Casacos compridos estruturados, robes de seda com padrões abstratos, acessórios equestres— através de looks bastante sérios, Lee teve a sua coleção mais camp. A sátira que o designer alcançou foi refrescante no que tem sido uma abordagem excessivamente intelectual. Avé Maria, a Burberry está de volta. 

Burberry FW25

Lee não foi o único a apoiar-se na perceção exterior da cultura britânica para encontrar inspiração. Na S.S.Daley, o designer Steven Stokey-Daley fez uma análise concreta do guarda-roupa inglês e destilou peças impressionantes. No que foi o seu melhor desfile até à data—uma proeza que o designer tem alcançado com cada coleção que apresenta— os arquétipos britânicos serviram de núcleo estético. Trench coats, duffle coats, casacos Harrington: os clássicos todos marcaram presença. Um toque surrealista fez das coleções uma das melhores da semana. Um casaco longo partilha um padrão de xadrez vermelho e bege com o fato que o acompanha. Uma gabardina é curta e cintada, com proporções tão cómicas como chiques. Um fato castanho chocolate de bombazina foi combinado com uma camisa branca cujo colarinho ultrapassou a cintura da modelo. 

S.S.Daley FW25

Também Simone Rocha se focou nos clássicos britânicos (ou melhor, quase britânicos já que a designer é irlandesa e confundir os dois é um pecado cardinal). Se na estação passada Rocha pensou na forma como as flores desabrocham na primavera, nesta a designer focou-se em como as pessoas passam pelo mesmo processo. Os uniformes escolares foram utilizados como ponto de entrada para um interessante estudo dos clássicos do guarda-roupa britânico. Trench coats, pólos de rugby e anoraques foram dissecados e reconstruídos, cada um deles elevado através da opulência caraterística de Rocha. Os capuzes foram cobertos com cristais e as golas com pérolas, transformando os básicos do dia a dia em heranças preciosas. Rocha não se fixou na nostalgia da infância nem na certeza da idade adulta, mas sim no espaço incerto entre as duas. 

Simone Rocha FW25

No outro extremo do espetro estético, também Dilara Findikoglu contribui para o ideal de Moda britânica, ainda que de forma completamente diferente. Se o último desfile da designer foi realizado numa igreja destruída no leste de Londres, desta vez, Findikoglu levou-nos para um local discreto: um clube no segundo andar de um edifício aparentemente vazio. Claro que rapidamente percebi que este era o local de uma rave gótica icónica na cidade—a designer nunca dá ponto sem nó. Como Findikoglu já nos habituou, a Moda foi explorada como fantasia. Se na estação passada o objetivo foi uma dança coreografada, nesta foi uma maré de criaturas glamorosas. O seu vocabulário visual é um forte contraste com o que a maioria está a fazer, não só em Londres, mas na indústria em geral. A musa deste ano foi a Vénus, do pintor italiano Botticelli. As explorações feitas não foram só subaquáticas, a típica experimentação material foi protagonista no desfile (uma tarefa difícil tendo em conta que Lara Stone abriu a passerelle). Cabelo foi utilizado num casaco curto volumoso e num par de bodies entrançados. A narrativa marítima continuou em conchas perfuradas individualmente, colocadas meticulosamente em corpetes ornamentados. Alfinetes pontuaram tanto os preciosos corpetes como toda a coleção.

Dilara Findikoglu FW25

Claro que estes são apenas alguns nomes. Talvez pela falta de luzes que ofuscam os designers menos conhecidos, mas a qualidade do design inglês foi a verdadeira estrela da semana. Stefan Cooke apresentou uma coleção excelente, enveredando-se pela primeira vez numa coleção mista, não só de homem. Os clássicos da sua marca—os cut-outs e o casaco-saia—foram reinventados em formas subtis, mas eficazes. Também Conner Ives criou um desfile que foi um verdadeiro momento: inspirado por designers como Oscar de la Renta, o designer americano provou o que o ambiente de Londres faz a um designer: capaz de se adaptar e crescer independentemente dos desafios. Talvez essa seja a razão pelo sucesso criativo da cidade: perante uma situação precária, a Moda não se deixa abater.


Conner Ives FW25

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