Burberry © Launchmetrics Spotlight
Após anos de precariedade, os designers britânicos não só continuam a lutar, como alcançam novos picos criativos.
“The London bridge is falling down.” As palavras de Azealia Banks sobre a Semana de Moda de Londres expressam um sentimento partilhado por muitos. Há anos que o evento mais importante da indústria britânica sofre. Quer seja pelo crescente magnetismo de Milão e (especialmente) Paris, quer pelas implicações logísticas e financeiras do Brexit, a presença da Moda na cidade tem definhado. Mas a esperança é a última a morrer. Ainda que seja inegável que até as marcas britânicas achem consolo noutras capitais—McQueen e Vivienne Westwood em Paris, Martine Rose em Milão—nem por isso a qualidade do que foi apresentado pela semana diminui. Os designers britânicos mostraram-se imunes a quaisquer que sejam os rumores maliciosos proferidos pela cidade. Se muito, houve um esforço, e consequente sucesso, em mostrar a validade da cidade no circuito internacional.
Começamos por onde este esforço foi mais alto. Na Burberry, indiscutivelmente a marca mais icónica da cidade, as marés começam a mudar. Após as últimas estações onde a crítica tem sido letal com o diretor criativo Daniel Lee, o outono/inverno 2025 marca o começo de algo novo. Enfeitada de replicações digitais de mantos tradicionalmente ingleses, a Tate Britain foi a maternidade desta nova era. Se a missão de Lee de se concentrar na identidade britânica foi difícil de compreender no passado—perdida nas implicações políticas desse tipo de identificação—esta estação Lee apoiou-se em estereótipos de como a identidade é representada. Nos bastidores, o diretor criativo cita Saltburn (2023) como um dos seus pontos de referência. A inspiração foi concreta: a classe alta britânica ridicularizada pelo seu privilégio. Casacos compridos estruturados, robes de seda com padrões abstratos, acessórios equestres— através de looks bastante sérios, Lee teve a sua coleção mais camp. A sátira que o designer alcançou foi refrescante no que tem sido uma abordagem excessivamente intelectual. Avé Maria, a Burberry está de volta.
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Burberry FW25
Lee não foi o único a apoiar-se na perceção exterior da cultura britânica para encontrar inspiração. Na S.S.Daley, o designer Steven Stokey-Daley fez uma análise concreta do guarda-roupa inglês e destilou peças impressionantes. No que foi o seu melhor desfile até à data—uma proeza que o designer tem alcançado com cada coleção que apresenta— os arquétipos britânicos serviram de núcleo estético. Trench coats, duffle coats, casacos Harrington: os clássicos todos marcaram presença. Um toque surrealista fez das coleções uma das melhores da semana. Um casaco longo partilha um padrão de xadrez vermelho e bege com o fato que o acompanha. Uma gabardina é curta e cintada, com proporções tão cómicas como chiques. Um fato castanho chocolate de bombazina foi combinado com uma camisa branca cujo colarinho ultrapassou a cintura da modelo.
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S.S.Daley FW25
Também Simone Rocha se focou nos clássicos britânicos (ou melhor, quase britânicos já que a designer é irlandesa e confundir os dois é um pecado cardinal). Se na estação passada Rocha pensou na forma como as flores desabrocham na primavera, nesta a designer focou-se em como as pessoas passam pelo mesmo processo. Os uniformes escolares foram utilizados como ponto de entrada para um interessante estudo dos clássicos do guarda-roupa britânico. Trench coats, pólos de rugby e anoraques foram dissecados e reconstruídos, cada um deles elevado através da opulência caraterística de Rocha. Os capuzes foram cobertos com cristais e as golas com pérolas, transformando os básicos do dia a dia em heranças preciosas. Rocha não se fixou na nostalgia da infância nem na certeza da idade adulta, mas sim no espaço incerto entre as duas.
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Simone Rocha FW25
No outro extremo do espetro estético, também Dilara Findikoglu contribui para o ideal de Moda britânica, ainda que de forma completamente diferente. Se o último desfile da designer foi realizado numa igreja destruída no leste de Londres, desta vez, Findikoglu levou-nos para um local discreto: um clube no segundo andar de um edifício aparentemente vazio. Claro que rapidamente percebi que este era o local de uma rave gótica icónica na cidade—a designer nunca dá ponto sem nó. Como Findikoglu já nos habituou, a Moda foi explorada como fantasia. Se na estação passada o objetivo foi uma dança coreografada, nesta foi uma maré de criaturas glamorosas. O seu vocabulário visual é um forte contraste com o que a maioria está a fazer, não só em Londres, mas na indústria em geral. A musa deste ano foi a Vénus, do pintor italiano Botticelli. As explorações feitas não foram só subaquáticas, a típica experimentação material foi protagonista no desfile (uma tarefa difícil tendo em conta que Lara Stone abriu a passerelle). Cabelo foi utilizado num casaco curto volumoso e num par de bodies entrançados. A narrativa marítima continuou em conchas perfuradas individualmente, colocadas meticulosamente em corpetes ornamentados. Alfinetes pontuaram tanto os preciosos corpetes como toda a coleção.
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Dilara Findikoglu FW25
Claro que estes são apenas alguns nomes. Talvez pela falta de luzes que ofuscam os designers menos conhecidos, mas a qualidade do design inglês foi a verdadeira estrela da semana. Stefan Cooke apresentou uma coleção excelente, enveredando-se pela primeira vez numa coleção mista, não só de homem. Os clássicos da sua marca—os cut-outs e o casaco-saia—foram reinventados em formas subtis, mas eficazes. Também Conner Ives criou um desfile que foi um verdadeiro momento: inspirado por designers como Oscar de la Renta, o designer americano provou o que o ambiente de Londres faz a um designer: capaz de se adaptar e crescer independentemente dos desafios. Talvez essa seja a razão pelo sucesso criativo da cidade: perante uma situação precária, a Moda não se deixa abater.
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Conner Ives FW25
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