Semana de Moda de Milão
Esta estação, o palco italiano esteve repleto de estreias, pontuadas pelos titãs da indústria que servem como inspiração para “novos” nomes.
Há verdades inegáveis neste mundo: enquanto a Terra gira à volta do Sol, também as marcas mais luxuosas da indústria trocam de diretor criativo. Este jogo, que vê designers a saírem de maisons icónicas (quer por pé próprio, quer forçadamente), é imparável. Em todas as estações parece haver algum novo nome para discutir. No entanto, há alguns anos que não tínhamos atividade tão intensa como a Semana de Moda de Milão outono/inverno 2024. Esta estação, a capital italiana da Moda, foi o palco principal. Como protagonistas temos as novidades na Moschino, Blumarine e Tod’s — três das marcas mais famosas da cidade. Mas, felizmente, nem tudo é novidade. Os nossos designers de conforto, aqueles que podemos contar para nos apresentar coleções que são consistentemente inteligentes, não vão a lado nenhum.
A primeira novidade a discutir será com certeza a mais polémica. Na Moschino, a tragédia que rodeia a posição de diretor criativo tem sido tema de conversa nos últimos meses. Após a saída inesperada de Jeremy Scott, o designer em grande parte responsável pela introdução da marca a uma nova geração, Davide Renne foi nomeado como o seu sucessor. No entanto, uns meros nove dias após o comunicado, o mundo exasperou quando descobriu o falecimento inesperado de Renne. Após um período de luto, a marca italiana anunciou Adrian Appiolaza como o próximo diretor criativo. No entanto, com apenas dois meses para completar uma coleção inteira, a pressão era alta. O resultado foi um bom começo, especialmente tendo em conta as condições. A estética Moschino foi subvertida ao comando de Appiolaza. A campiness da marca foi canalizada para a criação de personagens, uma caracterização feita a partir de roupas usáveis. A estreia do designer argentino foi mais uma soft launch, mas mal podemos esperar pela sua próxima coleção, onde a sua visão para a marca italiana se tornará mais clara.
Moschino FW24
Em outras notícias, Walter Chiapponi estreou-se na Blumarine após quatro anos na Tod’s. Após a saída de Nicola Brognano, o designer criativo responsável pelo renascimento da marca nas redes sociais através da estética Y2K, a direção da marca era uma incógnita. Iria Chiapponi continuar o novo legado visual da marca? A resposta: não. Com o objetivo de remeter à Blumarine de Anna Molinari (cofundadora da marca), o designer criou uma coleção simultaneamente divertida e romântica. De padrões animais a padrões florais, um sentido de maximalismo foi constante ao longo dos 42 looks da coleção. Chiapponi introduziu uma nova era na marca italiana.
Blumarine FW24
A nomeação de Chiapponi na Blumarine significou que a Tod’s ficava agora necessitada de um diretor criativo. A solução apareceu na forma de Matteo Tamburini, o antigo braço direito de Matthieu Blazy na Bottega Veneta (já vamos lá, temos muito a dizer sobre a coleção). O histórico do designer foi aparente, numa coleção que, ainda que honrando o ADN da Tod’s, introduziu elementos diferentes. Entre loafers com franjas e botas de cano alto, o calçado e acessórios foram inquestionavelmente o destaque. Sets de caxemira foram interpretados de diferentes formas, todas igualmente elegantes. Até uma carteira nova foi introduzida, com um novo logotipo para a acompanhar.
Tod's FW24
Ainda que as estreias tenham terminado em Milão, ainda há aqueles a recuperar da experiência traumática que é uma coleção de estreia. Críticos cheiram a insegurança e as redes sociais podem ser pequenos infernos onde a maldade substitui a humanidade. Sabato de Sarno permanece, como sempre foi, pouco preocupado face à especulação alheia. Para a sua segunda coleção feminina, o designer italiano sedimenta a sua visão: a nova Gucci é arte e artifício. Casacos pesados, impecavelmente executados, são adornados com brilhantes jumbo na bainha que, em movimento, parecem líquidos. Brincando com extremos, os casacos foram pontuados com vestidos delicados, feitos a partir de um veludo luxuoso. Não é a Gucci que alguns querem, mas a marca sempre foi conhecida por ter uma direção criativa despreocupada face a críticas. Com sorte, De Sarno irá convencer-nos a todos com a sua visão e entrará no panteão da Moda italiana.
Gucci FW24
Por falar nesta elite de designers: Prada. Miuccia Prada, conhecida pelo característico ugly chic, dedicou uma coleção à necessidade da beleza. Em colaboração com Raf Simons, a designer criou uma coleção que, ainda que intelectual como sempre, foi também extremamente elegante. Debaixo da passerelle de vidro em que as modelos desfilavam, escondia-se um jardim sereno. Referências históricas aos anos 50, 60 e 70 foram feitas de forma quase tão fluida como o riacho que escorria debaixo do vidro. Masculinidade formal, interpretada a partir de casacos pesados, foi complementada com feminilidade delicada, expressa através de vestidos transparentes. Os laços foram usados e abusados em vestidos cor-de-rosa. Mas, mesmo face aos vestidos doces, as peças mais impressionantes foram os casacos estruturados que, ao passar, revelavam costas de cetim.
Prada FW24
Kim Jones apresentou uma coleção inteligente, consistente com a imagem da mulher Fendi. Inspirando-se nos arquivos da marca dos anos 80, 1984 para ser mais específico, as propostas outono/inverno 2024 da marca italiana foram um interessante exercício de restrição. As referências, ainda que óbvias, nunca foram exageradas e sempre executadas com o cliente em mente. Numa mistura de elegância italiana e excentricidade britânica, Jones encontrou o ponto certo para a sua versão da Fendi.
Fendi FW24
Mas nenhum outro desfile angariou a atenção que a coleção outono/inverno 2023 da Bottega Veneta atraiu. No que é, indiscutivelmente, uma das melhores apresentações da estação, Matthieu Blazy foi triunfante. Inspirado pelo estado do mundo, o designer francês usou a flor do deserto como referência, capaz de florescer, mesmo no meio do calor desconcertante. E que florescimento que este foi. Para esta estação, Blazy focou-se em fazer do quotidiano sinónimo do extraordinário, elevando básicos, como camisolas de malha, através de toques estruturais, como ombros angulares. A coleção abriu com casacos com ombros anormalmente redondos, feitos em lã grossa com colarinhos de cabedal. As técnicas de trompe-l'œil características do designer francês foram reinterpretadas. Em vez de usar cabedal para imitar ganga ou fatos de treino como no passado, Blazy teve uma abordagem diferente. Vestidos, aparentemente rasgados, são compostos a partir de milhares de pequenas tiras de tecido precisamente cortado e cosido. O destaque foram, com certeza, dois vestidos com pregas, que revelavam hipnoticamente cores contrastantes. Após uma semana de Moda em Milão repleta de emoção e novidades, as expectativas estão altas para Paris, onde o fashion month é conhecido por atingir o seu clímax.
Bottega FW24
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