Fotografia: Dr. Paul Wolff & Tritschler / Getty Images, D.R.
Como em quase tudo na vida, não há bela sem senão. Num estilo de vida saudável, o desporto assume um papel muito importante: faz bem ao coração, aos pulmões, ao cérebro... e a pele não é exceção. Contudo, existem também aspetos negativos que podem espoletar ou agravar alguns problemas cutâneos. Portanto, muitas vezes, “prognósticos só no fim do jogo!”
No verão de 1977, quando Andy Warhol foi fotografar Muhammad Ali no complexo de treino do pugilista - Fighter's Heaven - Ali não se sentia no seu melhor. De acordo com Victor Bockris, escritor e amigo de Warhol, Ali sugeriu a Warhol que voltasse dentro de algumas semanas, altura em que, segundo o pugilista, estaria “um pouco mais bonito.” Warhol insistiu, produzindo o material de base para as suas serigrafias de Ali - talvez o trabalho mais conhecido do seu portefólio de atletas, que interseta os mundos, aparentemente distintos, do desporto e da beleza, destacando a relação entre a destreza física e o apelo estético.
Beleza e desporto são, desde há milénios, velhos adversários, mas também verdadeiros team mates. Há cada vez mais marcas de cosméticos a terem como embaixadores atletas de alta competição. Pessoas escolhidas pela personalidade forte e inspiradora, mas também por exporem, inevitavelmente, a pele a cenários de desgaste e exaustão extremos, trazendo ao pódio a sua maior vulnerabilidade. Apesar de ser bem fundamentado o impacto positivo do exercício físico em vários órgãos vitais, no que diz respeito à pele existem menos dados científicos que corroborem esta teoria. Ainda assim, muitos estudos têm demonstrado que o exercício físico pode aumentar a biogénese mitocondrial - fundamental para a saúde celular e para a função metabólica -, contribuindo para a manutenção da estrutura da pele. A pele é o maior órgão do corpo humano e tem como função principal ser uma barreira física, química, imunológica e microbiológica. É a parte do corpo que entra em contacto direto com o meio ambiente, e cuja homeostasia deve estar garantida para que tudo funcione bem. O bom funcionamento da pele é influenciado essencialmente pelo fornecimento de sangue, oxigénio e água.
O exercício físico traz inúmeros benefícios: melhora a saúde cardiovascular, estimula o sistema imunitário, ajuda na gestão do stress e promove o bem-estar psicológico. Melhora, portanto, a função geral do corpo e influencia, direta e indiretamente, a qualidade da pele. Mas como se traduzem os verdadeiros benefícios do desporto na pele?
O exercício melhora, genericamente, a saúde da pele, tornando-a mais jovem e resiliente, independentemente da idade. Aumenta o fluxo sanguíneo, favorece a melhor nutrição celular e permite uma eliminação de toxinas do corpo com mais eficácia, embora não haja qualquer evidência científica de que o exercício tenha uma ação detox direta na nossa pele. A sensação de pele desintoxicada acontece pelo facto de haver um maior aporte de sangue e uma melhor oxigenação dos tecidos durante o exercício, que confere um glow particular que associamos inevitavelmente a mais saúde, e que muitas marcas tentam imitar com os seus produtos. O exercício regular atenua o envelhecimento dérmico, melhorando a espessura e a elasticidade da pele. A falta de atividade física é um fator de risco comprovado pela sarcopenia: a perda de massa muscular e de elasticidade da pele, que acontece com o envelhecimento, mas que é mitigada pelo exercício. O desporto também aumenta a produção de colagénio, essencial para a firmeza e para a renovação celular da pele, e melhora a hidratação na camada córnea, com a transpiração a ter uma ação antienvelhecimento comprovada. A prática desportiva moderada tem uma ação antioxidante e ajuda, também, a manter níveis saudáveis da hormona cortisol, relacionada com o stress. Um nível elevado de cortisol afeta a qualidade da pele, promovendo o aparecimento de borbulhas, alteração das fibras de colagénio e, consequentemente, rugas e flacidez. A diminuição do stress e a libertação de endorfinas, promovem, ainda, um sono mais tranquilo e revigorante, que se traduz numa melhor regeneração da pele durante a noite e, consequentemente, num alívio imediato de marcas como olheiras ou papos. O stress é um fator agravante de doenças crónicas como acne, eczema, rosácea ou psoríase.
Apesar de todos os benefício conhecidos, too much of a good thing is a bad thing! Qualquer coisa no nosso organismo que exceda os níveis necessários é considerada uma potencial toxina, e o mesmo acontece com o desporto que, quando em excesso - sem tempo de recuperação conveniente - acelera o desgaste celular que impacta a pele a vários níveis. Da mesma forma, se não cumprirmos determinados passos no pré e no pós-treino, a nossa pele pode ficar mais fragilizada e, até, doente.
Atualmente, com tantas modalidades desportivas e horários distintos para as praticar, a diversidade de possibilidades cosméticas acaba por dificultar e limitar as generalizações one size fits all sobre esta matéria, mas existem consensos lógicos inabaláveis que todos podemos aplicar na nossa rotina antes, durante e após o treino. Qualquer que seja o desporto, é altamente recomendado limpar o rosto antes de iniciar o exercício. Existem várias razões que justificam esta necessidade, para além do constrangimento real de muitas vezes o suor ser incompatível com a maquilhagem e atrapalhar o treino. Ninguém quer que a maquilhagem escorra nos olhos! Maquilhagem, suor, ou detritos no rosto não são benéficos para a saúde e a aparência da pele, portanto, são três os passos a fazer antes de entrar em campo: limpeza (ou dupla limpeza, se a pele estiver maquilhada, idealmente com um produto oleoso, seguido de outro de base aquosa); hidratação, com um hidratante de textura leve, e a fotoproteção com um protetor solar resistente à água, que irá também resistir ao suor. A proteção solar deve ser feita sempre que houver exposição ao sol, seja ao ar livre ou perto de uma janela - porque uma grande parte dos raios UV pode penetrar através dos vidros das mesmas - e deve ser reaplicada sempre que necessário. Se ficar com o rosto “despido” for um impeditivo para estar a treinar em público, pode usar-se um BB Creme ou um protetor solar com cor. O cabelo deverá estar apanhado ou afastado do rosto para evitar o contacto com a pele. O desodorizante é, também, necessário para muitas pessoas que veem, inevitavelmente, o teor de suor aumentado durante a prática desportiva, e em nada vai prejudicar o fluxo de suor; apenas ajuda a controlar os odores. Se a produção de suor for mesmo excessiva, os antitranspirantes podem ser o melhor aliado. Durante todo o período desportivo, a higiene das toalhas fará também diferença na pele.
Existem dois objetivos na rotina cosmética pós-treino: devolver à pele a higiene, e assegurar a hidratação. Embora o suor seja absolutamente normal durante o exercício - e comprovar, muitas vezes, a nossa dedicação ao mesmo - o suor não deve, de todo, ficar na pele. Não só pode causar obstrução dos poros, se permanecer por muito tempo, como também pode irritar a pele devido ao seu teor em sal e promover a alteração do microbioma da pele, agravando de imediato patologias já existentes, como eczema ou psoríase.
Dependendo da hora do dia em que fazemos desporto, podemos cumprir a rotina completa ou reduzir ao essencial: limpar a pele, e aplicar no rosto e no corpo um bom hidratante, seguido do protetor solar nas zonas expostas. Para quem treina de manhã, a rotina cosmética habitual deve ser aplicada apenas após o treino. Quando o exercício é feito ao final do dia e o destino é casa, pode aplicar-se a rotina completa da noite. Nos horários a meio do dia - como a tradicional “hora de almoço” - a logística pode ser mais complicada. Nestes casos, pode repetir-se no pós-treino a rotina habitual da manhã que deve contemplar a limpeza, um cuidado antioxidante, a hidratação e o protetor solar. Na hidratação corporal, podem privilegiar-se os produtos com ação refrescante que ajudem na sensação de pernas e braços cansados.
A higiene “exagerada” pode ser um problema grave para a desidratação e a secura da pele, tanto no rosto como no corpo, e, até, do couro cabeludo e do cabelo, mas não limpar a pele depois do exercício físico é ainda pior. Não precisamos de lavar o corpo todo em todos os banhos! Quando se tomam múltiplos banhos por dia, recomenda-se o uso de produtos com tensioativos suaves e insistir apenas nas zonas com alta densidade de glândulas sudoríparas, como são as axilas, os pés e os genitais externos. Os cuidados de higiene íntima - dedicados a uma zona de pele e mucosas muito frágeis - devem ser específicos devido ao pH e à microbiota. No caso da higiene capilar, o mito é frequente, mas não há qualquer problema em lavar o cabelo múltiplas vezes, desde que seja utilizado um champô adaptado à natureza do couro cabeludo e à frequência da lavagem, sempre com pH fisiológico e usando água tépida. Condicionadores, com e sem enxaguamento, e máscaras são sempre bem-vindos para repor a hidratação e a nutrição da haste capilar que, por estar morta, não se repara sozinha. E, claro, moderar o uso de utensílios de tração e de calor, como secadores e modeladores.
Nos doentes com rosácea e acne - que apresentam pele mais sensível e muitas vezes até sensibilizada - é mesmo muito importante a questão da higiene rigorosa e da temperatura tépida da água. No caso de rubor ou sensação de calor, as águas termais ou as brumas hidratantes funcionam como um verdadeiro extintor de incêndio e conferem um alívio muito grande.
É difícil acompanhar o pace da inovação na cosmética! Do desporto para a pele, chega o skin cycling. A literacia trouxe-nos a vontade de experimentar mais ingredientes que, em teoria, possam melhorar a nossa pele, rejuvenescendo-a, acima de tudo. Hidroxiácidos, retinoides,... passaram a estar nas prateleiras das nossas casas, mesmo que a mestria na sua utilização não seja assim tão linear. Com inspiração na recuperação muscular desportiva, e com o objetivo de todos podermos usar tudo, surgiu o skin cycling: um método desenvolvido pela dermatologista Whitney Bowe durante a pandemia, e muito mais que uma designação catchy de marketing. Os doentes da Dra. Bowe, apesar de usarem esfoliantes físicos e químicos, e retinoides, não estavam a obter os resultados desejados, e muitos desenvolviam alterações de sensibilidade da pele. A médica começou a perceber que, ao mergulhar nas rotinas cosméticas dos seus pacientes, era urgente criar dias de recuperação para permitir a reparação fisiológica da pele. Foi então que, ao usar a sua Peloton – a bicicleta estática onde Mr. Big (eterno amor de Carrie Bradshaw), tem o fatídico ataque cardíaco na série And Just Like That – os seus “dois mundos colidiram”. A médica lembrou-se de usar a metáfora desportiva para explicar aos seus doentes a lógica da alternância dos ingredientes cosméticos numa rotina saudável. Da mesma forma que no desporto intercalamos o cycling com diferentes treinos, com o objetivo de otimizar os benefícios das diferentes modalidades e ver mudanças positivas e significativas no corpo, sem desgaste físico, assim devemos fazer com a nossa pele.
O conceito é muito intuitivo e foca-se na otimização da barreira cutânea: os nossos músculos precisam de dias de recuperação; o nosso cérebro precisa de dias de recuperação, por isso faz sentido que a pele também beneficie de dias de recuperação. O skin cycling encoraja-nos a utilizar produtos de uma forma estratégica para se respeitarem e potenciarem uns aos outros, e adota uma abordagem do tipo less is more. Implica rigor e consistência, apesar de ser bastante simples de executar, e refere-se apenas à rotina noturna. De manhã devemos limpar, usar um produto com vitamina C ou outro antioxidante, hidratar e usar proteção solar. À noite, os produtos vão sendo alternados, durante quatro dias, ciclicamente, sempre depois da limpeza. O método adapta-se verdadeiramente a todas as peles, podendo haver um ligeiro ajuste nas peles sensíveis ou bastante resistentes.
O ciclo das quatro noites começa com a Noite 1 - Noite de Esfoliação: com um sérum esfoliante químico, com ácido salicílico, glicólico, mandélico, lático... mais suave e eficaz, preparando a pele e maximizando a absorção dos cuidados aplicados na segunda noite e seguintes. Noite 2 - Noite de Retinoide: os retinoides são o gold standard na ação antienvelhecimento. Numa pele mais sensível, é importante proteger as zonas dos olhos, os sulcos nasogenianos e o pescoço com um hidratante, antes e depois de aplicar o retinoide (técnica de sanduíche). Noite 3 + Noite 4 - Noites de Recuperação: o objetivo é assegurar a estabilidade da microbiota da pele e reparar a barreira cutânea. Palavra de ordem: hidratação, com ceramidas, ácido hialurónico, glicerina, esqualano, prebióticos, etc. Depois, é só voltar ao início e repetir. E se dúvidas houvesse que funciona, a sua reputação é mesmo inabalável: em duas palavras, game changing! Após dois ciclos completos, fica a promessa de uma pele com um brilho mais saudável, assim como uma sensação geral de pele mais hidratada e mais suave. Quando feito continuamente, promove uma transformação positiva, isto é, menos rugas, menos manchas e mais conforto.
O mundo dos cosméticos pode ser excessivamente complicado e o skin cycling ajuda a simplificar a rotina de uma forma que é, simultaneamente, eficaz e fácil de seguir. Resolve, também, um dos erros mais comuns que é a sobreutilização de produtos, portanto, nunca é tarde para começar, pode ser já esta noite!