Se achava que esta Kate é uma parente afastada de George W., este artigo é para si.
Se acha que esta Kate é uma parente afastada de George W., este artigo é para si.
Kate Bush ao vivo, no Hammersmith Odeon, Londres, 1979. © Getty Images
Kate Bush ao vivo, no Hammersmith Odeon, Londres, 1979. © Getty Images
Talvez porque nasceu fora de época, gostava de outro tipo de música que não hits ou simplesmente porque canções (e cantoras) emblemáticas e intemporais lhe passam ao lado, é possível que nunca tenha ouvido falar desta artista britânica e muito menos do tema que chegou ao número 1 do top de iTunes nos Estados Unidos (e ao top 10 em 34 outros países) no final de maio. O fenómeno, 37 anos depois do seu lançamento original explica-se: foi na mesma altura em que estreou a mais recente temporada de Stranger Things e onde Running up that hill (Make a deal with God), de 1985, ganha - na falta de melhor contextualização porque... spoilers - honras de protagonista como um fulcral componente do argumento, num verdadeiro caso de vida ou morte.
Não é a primeira vez que a artista chega ao topo da tabela: a sua estreia e impulsão musical, tinha a inglesa apenas 19 anos, foi com o tema Wuthering Heights, de 1978 (ouvir alguns acordes é saber de que música se trata, mesmo que não seja um conhecedor acérrimo de Kate), e assegurou a entrada para o lugar cimeiro do UK Singles Chart onde se manteve ao longo de quatro semanas. Kate Bush, que começou a compor com 11 anos, fez, assim, história, tornando-se a primeira artista feminina a solo a ocupar o primeiro lugar dos album charts do Reino Unido, bem como a primeira artista feminina com entrada direta, na tabela, com um número um. Depois disso, foi colecionando êxitos bem posicionados no Top 10, como Babooshka ou Don't Give Up. Se nasceu antes dos anos 2000, talvez se esteja a perguntar porque estamos a apresentar um nome da música que dispensa apresentações e a resposta é simples: a Gen Z parece ter descoberto apenas recentemente a voz aguda e enfeitiçante, quase sombria, de Kate Bush (agora com 63 anos). Muito graças à série dos irmãos Duffer, que precipitou um retorno da melodia às playlists de Spotify (curiosamente, na altura em que saiu, ainda só entrava nas mixtapes mais cool).
Capa do álbum
Capa do álbum
Agora que, ao lado de outras referências do anos 80, o gangue de Mike, Eleven, Will, Dustin, Lucas, Max & cia. colocaram os eighties de volta ao mapa do estilo e do lifestyle, em particular este Running up that hill de Kate Bush (que, aproveite-se a deixa, foi também ela vanguardista no seu estilo e em cima das tendências - o nome atual que mais se lhe aproxima em postura talvez seja o de Florence Welch, de Florence and the Machine), as condições reunem-se para revisitarmos dez curiosidades sobre este tema que agora parece o novo hino, mesmo que pontual, das novas gerações.
A responsável pela banda sonora da série, Nora Felder, explicava à Variety, a propósito deste sucesso em 2022 do hit de 1985, que Matt e Ross Duffer a incumbiram de descobrir um tema que refletisse a intensa luta emocional pela qual Max (Sadie Sink) passa, depois da morte do irmão na temporada anterior. "Tocou-me de imediato com os seus acordes profundos da possível conexão com as batalhas emocionais de Max e ganhou cada vez mais significância à medida que a música marinava no meu subconsciente", revelava Felder à publicação, que falou com a Sony Music sobre autorizar a sua utilização na série de culto, ainda antes de falar com os produtores executivos [numa nota àparte, caso não seja do foro comum, este género de autorizações é moroso e custoso, nomeadamente quando envolve nomes como Bush]. Um representante da editora confirma que Kate é muito criteriosa em relação às cedências que faz, por isso, a equipa da artista pediu imagens e script para perceber em que contexto a música seria utilizada, refere essa mesma notícia. Curiosamente, a cantora é uma grande fã da série e, depois de conhecer o contexto, deu finalmente a sua permissão. O processo não foi rápido, referem, por isso havia alternativas, mas Nora Felder tinha a certeza que esta era a música - mesmo pela forma como "casava" com o estado da personagem de Sink.
Kate Bush ao vivo, no London Palladium, Londres, 1979. © Getty Images
Kate Bush ao vivo, no London Palladium, Londres, 1979. © Getty Images
Com efeito, Max atravessa uma fase de luto, nesta mais recente season, e em particular a referência a "make a deal with God", na voz inconfundível de Bush, parecia ser o mantra que fechava negócio neste pairing. Se ainda não teve oportunidade de ler (e cantarolar) a letra toda do tema, a sinopse é mais ou menos esta: "é sobre a relação entre um homem e uma mulher. Eles amam-se muito e o poder da relação é algo que se intromete. Cria inseguranças. Está a dizer que se o homem pudesse ser a mulher e a mulher, o homem, se pudessem fazer um acordo com Deus, para trocarem de lugar, entenderiam o que é ser a outra pessoa e talvez pudesse esclarecer alguns mal-entendidos. Sabes, todos os pequenos problemas; não haveria problemas", contava a própria Kate Bush, em 1985, numa entrevista. Voltou a elaborar sobre isso para a BBC, em 1992: "o que estava realmente a tentar dizer é que um homem e uma mulher não se conseguem entender um ao outro porque somos um homem e uma mulher. E se conseguissemos realmente trocar de papel, se pudesemos realmente trocar de lugar, acho que ambos ficaríamos deveras surpreendidos! [risos] E acho que isso desencadearia uma maior compreensão".
10 curiosidades sobre Running Up That Hill
Sabia que...
...Running up that hill se chamava originalmente A Deal With God? O tema, o primiero single do album Hounds of Love (1985) acabou por mudar de título porque a editora receou que fosse banida em países religiosos, como Itália, Irlanda, Austrália e França. Mas para Kate Bush, confessou numa entrevista, chamar-se-á sempre Deal with God.
...a editora discográfica queria lançar Cloudbusting como o primeiro single do album? Foi Kate que os convenceu a lançar Running Up That Hill em vez do outro. Como Bush já tinha cedido na mudança do título, a editora acedeu ao pedido.
...o tema já surgiu noutras séries e filmes? Não de forma tão proeminente, mas é possível que já a tenha cantarolado enquanto via um dos seguintes: The O.C. (2006), CSI: Crime Scene Investigation (2007), NCIS: Los Angeles (2011) ou Big Little Lies (2019).
...também já foi alvo de inúmeras versões? Uma das mais conhecidas é a cover de Placebo, que a incluiu no album adequadamente intitulado Covers (2003), entrando depois nas tabelas de singles do Reino Unido em janeiro de 2010, porque foi usada no trailer do filme Daybreakers. Parece-lhe familiar?
...o videoclip acompanha a própria numa dança interpretativa com o dançarino Michael Herviu? Realizado por David Garfath e coreografado por Diane Grey, Kate Bush quis que a dança fosse mais clássica e simples, porque sentia que estava a ser abordada de forma muito trivial em videos musicais....na altura do lançamento original, a MTV optou por passar a música acompanhada do vídeo de uma performance ao vivo e não do clip de dança? Não estavam interessados em partilhar videoclips que não incluissem o lip sync, gostavam da ideia de se ver a protagonista a cantar as músicas, segundo Paddy Bush, irmão da cantora.
...a canção passou na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Verão, em 2012? O tema usado foi, na verdade, uma versão relançada por Kate Bush a 12 de agosto de 2012, chamada 2012 Remix, onde se usava a track longa original, mas com uma nova gravação de voz, agora num tom abaixo, mais adequado ao novo range vocal da cantora.
...a artista compôs esta versão num sintetizador digital Fairlight?
...mesmo com Wuthering Heights a catapultar Kate Bush para a fama na Europa, a cantora é - era - pouco conhecida nos Estados Unidos? Running Up That Hill foi o maior êxito de Bush por Terras de Tio Sam.
...a música já era icónica antes de Stranger Things? À partida, já sabia. Mas talvez não saiba que, em 1985, a revista NME colocou-a no número três da lista de Tracks of the Year.
Adenda: se este retorno de Kate Bush às bandas sonoras do quotidiano prova alguma coisa é que músicas icónicas não têm tempo - são eternas.
Kate Bush, 1978. © Getty Images
Kate Bush, 1978. © Getty Images