Tamara Heribanova, jornalista e autora de seis livros, faz uma reflexão sobre a destruição que estamos a causar à Terra e consequentemente ao ser humano.
Se o planeta pudesse telefonar-nos, o que nos diria?
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“Olá, sou eu, o teu planeta. Aquele onde vives. Alguns de vocês chamam-me ‘natureza’. Muitos de vocês, até aqueles que me tratam mal, chamam-se a si próprios ‘amantes da natureza’ em hashtags no Instagram. Olha, isto é uma questão de sobrevivência. Tens de me ajudar. Acho que era bom para ambos.”
“O quê? Como assim? Isto é alguma piada? Estou? A ligação está a cair. Consegues ouvir-me?
“Consigo. Não é uma piada. A ligação está ótima deste lado, embora eu esteja com dificuldades em respirar porque as partículas de microplástico que estão a entupir-me por dentro começam a restringir a minha liberdade de movimentos. Se viste o Blue Planet II, de David Attenborough, deves lembrar-te da cena em que os albatrozes alimentam os seus pintos com pedaços de plástico, convencidos de que é alimento. A presença de microplásticos no oceano representa uma ameaça constante e pertinente para toda a vida marinha, todos os dias. A não ser que se faça alguma coisa, haverá mais pedaços de plástico do que animais no oceano até 2050. Neste preciso minuto, contentores de lixo de todo o mundo estão a ser depositados nas águas do planeta. E, a cada segundo que passa, umas inacreditáveis 20.000 garrafas de plástico são fabricadas e enviadas para todo o planeta. A esmagadora maioria nunca é reciclada. Não está a ser fácil para mim telefonar-te. Espero não perder a coragem. Há atualmente mais garrafas de plástico no mundo do que planetas na galáxia. Sei que gostas de ler: talvez me reconheças se te disser que sou o planeta onde o Principezinho aterrou num dos teus livros. Sou o lar dos teus antepassados e adoraria ser o lar dos teus filhos e dos netos - mas o futuro é… incerto.”
“Incerto?”
“Quer dizer, não quero que entres em pânico, mas...” Ela prossegue: “Não te teria falado se a situação não fosse catastrófica. Onde mais poderia encontrar-te? Hoje em dia, há mais pessoas com acesso a telemóveis do que a sanitas. Sujaste literalmente todos os recantos do planeta e as consequências do teu descuido estão a dar cabo do ambiente”, suspira a Terra. “Tens de organizar-te.”
“Mas como?”
“Olha para a velocidade com que as emissões de CO2 estão a aumentar. A não ser que se faça alguma coisa para travar isto, daqui a cem anos as nuvens começarão, fisicamente, a decompor-se, e já não conseguirão proteger a superfície da Terra dos raios abrasadores do Sol quente. A temperatura geral do planeta aumentará uns estimados oito graus. Poderás ter ouvido falar do Acordo de Paris: cientistas e líderes mundiais alertam-nos para a ocorrência de uma catástrofe mundial devido ao aquecimento iminente de dois graus. Vais fazer a história natural regressar ao tempo em que os crocodilos nadavam nas águas derretidas do Ártico e havia palmeiras no atual Alasca. Eu vou ficar bem sem ti, mas vai ser estranho. Gosto da diversidade e da singularidade da cultura humana. Gosto de jazz. A tua capacidade de expressão artística continua a maravilhar-me. Muitos de vocês são boas almas. Consegues fazer coisas fabulosas quando te empenhas. Ao longo dos séculos, muitos de vocês sacrificaram o vosso conforto, por vezes, até mesmo a vossa vida, para tomar a atitude certa.”
“Por que estás a escolher-me a mim? Não posso fazer muito enquanto indivíduo. Não era melhor pedires ajuda a uma das pessoas responsáveis? Não tenho como influenciar as políticas das emissões de carbono ou a produção global de plástico. Tudo aquilo de que estás a falar – não fui eu. Eu reciclo o meu papel, o vidro, o plástico. Nem sempre, mas geralmente.”
“Olha, não quero ser mazinha, mas atiras a tua reciclagem de papel para dentro do contentor num saco de plástico. Chamas a isso reciclar? A cerveja que estás a beber neste preciso instante está num copo de plástico de utilização única. Está errado pensares que não fazes parte da causa dos meus problemas”, diz a Terra. “Eu só quero encontrar alguém disposto a limpar mesmo esta porcaria toda. Preciso de estar funcional 24 horas por dia, 365 por ano e parece-me que vocês, seres humanos, costumam esquecer-se disso.”
“Espera lá. Eu sou só uma pessoa normal. Tenho de tratar da minha própria vida, pagar a prestação da casa, mandar o carro para a oficina e não sei mesmo o que fazer quando a minha série preferida da Netflix acabar daqui a algumas semanas.”
“Eu sei o que é importante para ti. Tu vives aqui. Aquilo que te peço é que te comportes como se fosses a mudança que desejas. Começa por ti. Com gestos pequenos e simples. Decidi telefonar-te e a muitos outros porque temo que não haja mais nada que eu possa fazer. A não ser que a vossa casa esteja a arder ou que a água potável deixe de sair da vossa torneira, enquanto a vossa maior preocupação for a Internet lá de casa estar mais lenta do que é habitual, não vais ralar-te com o que se passa no planeta. Pelo menos, não a sério. Repara, por exemplo, na recente destruição das florestas da Sibéria, onde arderam quase três milhões de hectares só neste verão. E nos incêndios na Gronelândia, no Alasca, na Amazónia e onde estás, claro, em Portugal. Olha, faz aquilo que puderes. É tudo o que te peço. Se conseguires convencer os teus amigos e colegas, vocês podem fazer a diferença! Percebes por que isto é tão urgente, não percebes?”
“Porquê?”
“Tu és da primeira geração a sofrer os efeitos devastadores do declínio ambiental e da última geração que é capaz de fazer alguma coisa antes que seja demasiado tarde. Não nos resta muito tempo e não estou a exagerar. Todos os dias contam, todas as pessoas, todas as escolhas. Uma espécie de tartaruga extinguiu-se na mesma semana em que a igreja de Notre Dame, em Paris, irrompeu em chamas. A comunicação social falou extensivamente sobre o incidente francês durante semanas. Não quero com isto dizer que não tenha sido uma coisa horrível. Mas, durante aqueles dias, alguém reparou que uma das 26.000 espécies de vida selvagem em perigo do planeta se extinguiu? Não. É claro que eu ficaria feliz se todos os milionários e líderes políticos do mundo se juntassem para salvar o planeta. É verdade que são os decisores políticos e as grandes empresas que têm capacidades para operar a mudança a um nível estrutural, mas eu não tenho acesso a eles. Foi por isso que quis falar contigo. Isto é sobre ti e todos os milhões de pessoas e animais deste planeta. Por favor, ouve-me.”
Temos quatro anos antes de as abelhas desaparecerem.
É claro que nem toda a gente se comporta da maneira como descrevi. Talvez esteja a achar que fui demasiado dura, mas antes de sair deste artigo, dê-me uma oportunidade. Acompanhe-me até ao meu pequeno país de origem: a Eslováquia. Venha comigo até uma aldeia pitoresca rodeada de florestas. Vive ali uma senhora velhinha: uma senhora que falou comigo sobre amor diante de uma câmara. Isto foi no ano passado. Estou a contar esta história em homenagem ao grande Albert Einstein, que em tempos escreveu que, se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a humanidade não teria mais do que quatro anos de vida. Estamos na Eslováquia, onde passei grande parte da minha infância no quintal dos meus avós. Juntas, eu e aquela senhora subimos um monte ao lado da aldeia porque era ali que ela queria recordar o seu primeiro e único amor. Primeiro, ela disse-me quantas saudades tinha do seu marido, com quem passou vários anos da sua vida. Falou-me sobre a sua noite de núpcias, durante a qual tiveram sinos atados aos pés da cama. Os sinos da cama (inesquecível e suavemente) tiniram na primeira noite que passaram juntos. Aceitando a nossa ajuda para se levantar da cadeira de rodas e a levarmos até ao relvado verde deste início de verão, ela sentou-se e olhou pensativamente para o horizonte. Então disse: “Foi aqui que nos olhámos nos olhos e, depois, abraçámo-nos e rebolámos pelo monte abaixo”. Os seus olhos brilhavam enquanto ela suspirava: “Viver isso novamente!” Num instante, a mulher rebolou pelo monte abaixo, rindo-se, até uma pequena reentrância lá em baixo a fazer parar. Eu e o cameraman corremos até ela, com medo de que se tivesse magoado. Deitada na relva fresca, ela sorriu delicadamente: “A vida é um milagre e é por isso que é tão valiosa. Mas onde foram elas?”
“Quem?”, perguntámos, intrigados.
“As abelhas, claro”, respondeu. “Não sinto picadas!” Lembrei-me da minha infância no campo e de como acordávamos com os zumbidos incessantes das abelhas lá fora.
“E então?”, insistiu. “Onde foram elas?”
Uma imagem do velho tanque de água do quintal da minha avó, à volta do qual as abelhas formavam um anel, surgiu-me diante dos olhos. Aquelas abelhas já não estavam lá. Ocorreu-me que a sua ausência é uma de entre muitas evidências dos efeitos destrutivos dos pesticidas e de outros químicos nocivos que envenenam o ambiente. Efeitos que continuam a obrigar-nos a adotar novas formas de existências neste planeta. No entanto, este modus vivendi tem um prazo de validade bastante curto. Nos últimos 30 anos, aproximadamente três terços dos polinizadores do nosso planeta desapareceram e, no entanto, uns estimados 75 porcento dos nossos alimentos dependem da sua existência. Vi diante dos meus olhos o rosto da minha avó Maria e da minha bisavó Matilda. Usando uma expressão contemporânea, ambas produziam zero resíduos. Tudo o que preparavam para o jantar era comido. Os restos eram dados às galinhas e aos outros animais domésticos.
"São necessários cerca de 2.700 litros de água para produzir uma única t-shirt de algodão: aproximadamente a quantidade de água consumida por uma só pessoa em dois anos e meio."
A minha avó ensinou-me a coser meias quando eu era muito nova, explicando-me que, quantos mais buracos houvesse numa peça de roupa, mais valiosa esta seria porque o fio é um dos bens mais preciosos da humanidade. Um buraco ou um rasgão são remendáveis e uma saia ou uma camisa podem ganhar nova vida, se dedicarmos tempo e esforços a arranjar as coisas em vez de as deitarmos fora. Afinal, a nossa proximidade cultural com a roupa também é muito física. Foi por causa desta relação íntima que cresci a apreciar e a admirar os trajes tradicionais dos camponeses (e continuo a colecioná-los e a restaurá-los profissionalmente). Os trajes eram transmitidos de geração em geração, cumprindo diversas funções, em termos práticos e culturais. Os pontos das peças de festa bordadas, por exemplo, continham uma história: um sistema de signos embebido em padrão e cor. Não menos importante é o facto de a qualidade do produto refletir o talento do artesão que meticulosamente o costurou. A beleza e a qualidade de muitos destes trajes é de cortar a respiração. Uma peça poderia demorar meses a ser feita para ser oferecida como presente: um presente que representava cuidado, dedicação e paciência. No norte de Portugal, em Viana do Castelo, uma de tais peças é um lenço escarlate bordado em ponto-cruz com linha vermelha que as mulheres oferecem aos homens para lhes dizer que o seu coração só lhes pertence a eles. Um homem que receba um lenço destes deve usá-lo ao pescoço ao longo do dia, para que as outras mulheres vejam que ele está comprometido. Poderia um lenço vendido numa loja de fast fashion, fabricado por mulheres sentadas atrás de máquinas de costura trabalhando em turnos de 14 horas em fábricas de produção maciça, cumprir a mesma função?
As nossas avós sabiam e compreendiam todo o processo de tecelagem e sabiam que um fio representava (de forma mais ou menos importante) um investimento pessoal e que, por essa razão, as roupas deveriam ser usadas durante o máximo de tempo possível. Ao contrário dos nossos antepassados, uma mulher europeia típica pode usar uma peça de roupa apenas uma dezena de vezes antes de deitá-la fora. Tem um buraco na camisa? Já não lhe serve para nada, então! Deite-a fora! Pode comprar uma nova por menos de 10 euros. No entanto, são necessários cerca de 2.700 litros de água para produzir uma única t-shirt de algodão: aproximadamente a quantidade de água consumida por uma só pessoa em dois anos e meio. Estas t-shirts costumam ser fabricadas em países do chamado mundo em desenvolvimento: onde é cultivada e colhida a maior parte do algodão. Este algodão em bruto é posteriormente “fiado”, transformando-se em fio, e depois tecido numa fábrica. Em seguida, o tecido é cortado, costurado, transportado, armazenado, etc. E nem vou mencionar os recursos adicionais investidos em marketing, contratação de pessoal e arrendamento de espaços comerciais.
Ainda hoje, depois de a natureza da indústria da Moda ter sido exposta em documentários como Walmart: The High Cost of Low Price (2005), The Machinists (2010) ou The True Cost (2015), os salários de muitos operários de todo o mundo continuam a ser pouco mais do que 30 cêntimos por hora. Alguns destes operários trabalham arduamente nos seus postos enquanto, no lado oposto da fábrica, famílias inteiras repousam umas poucas horas antes de iniciarem o turno seguinte. Por que não vão para casa? Não conseguimos imaginar o que significa viver e trabalhar em condições tão difíceis. A vida de pesadelo destas pessoas é o verdadeiro preço daquela t-shirt de €5. Cerca de 70 porcento dos rios da China estão poluídos por uns estimados nove milhões de litros de águas residuais produzidas pela indústria têxtil. Depois da indústria petrolífera, o império da fast fashion é a segunda indústria mais poluente e que gera mais desperdício. Entre os seus resíduos tóxicos, encontram-se partículas de substâncias tintureiras como o mercúrio, o cádmio ou o chumbo. Existe um ditado segundo o qual em algumas zonas da China é possível conhecer as cores da moda da estação seguinte através da cor dos rios.
Lágrimas na fábrica que fornece água potável
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Uma pessoa típica do mundo desenvolvido consome uns estimados 700 sacos de plástico por ano – as pessoas que levam o seu próprio saco quando vão às compras ainda são comparativamente poucas. Todos os anos, milhões de sacos de plástico, grandes e pequenos, acabam por chegar ao oceano. Nos últimos dez anos, os seres humanos produziram mais itens de plástico de utilização única do que nos cem anos anteriores. Contudo, o tempo de vida médio de um saco de plástico é aproximadamente 15 minutos – o tempo que demora desde a loja até casa, onde descarrega as compras. Atiramos o saco de plástico para dentro de outro, maior e mais resistente. Um saco pequeno demora cerca de 100 anos a decompor-se (na melhor das hipóteses) e uma garrafa de plástico demora cerca de 400 anos. Empresas como a Coca-Cola, a maior produtora de refrigerantes comercializados em garrafas de plástico de todo o mundo, produz umas estimadas 120 mil milhões de garrafas de plástico anualmente. Se fizéssemos uma cadeia utilizando todas as garrafas, conseguiríamos dar a volta ao mundo quase 700 vezes. Em março de 2018, Michael Gove, Secretário de Estado para o Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do Reino Unido (2017–2019) propôs a introdução de uma norma de reciclagem a nível nacional. A Coca-Cola fez um anúncio público, informando que iria dar o seu melhor para reciclar todas as garrafas que produz anualmente até 2030. Parece absurdo, não parece?
"Atualmente, a indústria da Moda e dos têxteis emprega entre 60 e 120 milhões de pessoas. Estes números parecem-lhe vagos? Talvez porque muitos deles nunca foram registados como tal."
Em 2010 fui ao Quénia. Nos primeiros dias, visitei algumas aldeias e a região rural do rio Mara, onde vi uma pobreza inenarrável, mas também um vazio silencioso nas lojas: lojas com filas de garrafas de Coca-Cola empilhadas nas prateleiras instáveis. Visitei algumas aldeias, todas enfrentando a escassez de água potável. Muitas crianças sentiam-se motivadas para ir à escola para poderem beber um copo de água e lavarem-se. Quando fui a uma loja no bairro de lata de Kibera (com cerca de 2,5 km2 e um milhão de habitantes), vi os poços nos quais as crianças iam encher os seus copos com água potável: poços disponibilizados pela Coca-Cola, cujos representantes me convidaram a visitar uma das suas fábricas nos arredores de Nairobi, que exportava para o Quénia e para a Tanzânia. Milhares de garrafas percorriam inúmeras linhas de montagem.
Homens cansados e com os olhos inchados asseguravam-se pacientemente de que as garrafas eram devidamente cheias e fechadas. Se a quantidade de líquido na garrafa não cumprisse a medida idealizada (alguns milímetros acima ou abaixo do estipulado), era descartada. Aproximei-me de um dos supervisores, que examinava uma fila em movimento de garrafas de 500 ml na linha de montagem mais próxima. Corriam-lhe lágrimas pelo rosto. Embora concentrado na sua tarefa, o homem parecia completamente exasperado. Naquele instante, apercebi-me de quão importante era eu falar sobre esta indústria. “Por favor, não tire fotografias”, disse-me um homem. Surpreendida e sentindo-me, de certa forma, imóvel, fiquei parada. “Este homem é o salvador de toda a sua família”, disse-me. “Há centenas como ele que aceitariam o seu trabalho imediatamente se pudessem. O facto de ele trabalhar aqui significa que os seus filhos têm acesso a água e a comida. Eles sentem-se muito orgulhosos do pai.”
Quantas pessoas no mundo conseguem alimentar as suas famílias graças à indústria da Moda? Ou será que conseguem? Apesar da carga esmagadora de trabalho, das condições terríveis e das horas extraordinárias não pagas? No ano 2000, a indústria tinha cerca de 20 milhões de trabalhadores. Atualmente, a indústria da Moda e dos têxteis emprega entre 60 e 120 milhões de pessoas. Estes números parecem-lhe vagos? Talvez porque muitos deles nunca foram registados como tal.
É mesmo assim tão mau?
Estamos em 2019 e, no entanto, muitas pessoas ainda associam o termo ‘ativismo’ a uma espécie de extremismo radical. O radical da palavra ativista é a palavra latina actus, que significa “um ato, uma força motriz ou um impulso”. O trabalho dos ativistas é insistir em reformas políticas, sociais e económicas, manifestando o desejo de uma mudança para melhor na sociedade. Não precisa de organizar campanhas, de participar em manifestações ou boicotes, de assinar petições ou de fazer jejum para estar envolvido no ativismo. Dedicar o seu tempo e energia a tais atividades é certamente louvável. Sem ativismo, a história dos direitos humanos, da igualdade racial e de géneros, da liberdade e da democracia pareceriam muito diferentes do que são hoje. Mas o ativismo pode assumir a forma de pequenas tarefas do quotidiano, tarefas que consideramos triviais, mas que podem fazer uma grande diferença.
Trata-se de uma mudança dos nossos hábitos coletivos. Podemos apanhar a tampa de uma garrafa de plástico que encontrámos na praia e pô-la no contentor de reciclagem apropriado, podemos parar de usar sacos de plástico quando formos comprar fruta e legumes e levar um saco de casa – um saco que podemos fazer a partir de cortinas ou camisas antigas. É um esforço que cabe a cada um e a todos nós, afirma a mundialmente famosa primatologista Jane Goodall. Goodall passou a sua vida a estudar chimpanzés (desde 1960). Quando era jovem, “entrou na selva como bióloga e saiu como ativista”. As suas palestras e entrevistas têm milhões de visualizações no YouTube. Depois de se juntar à Masterclass, uma plataforma de ensino online fundada em 2014, os seus tutoriais tornaram-se cursos de conservação, proporcionando uma abordagem mais consciente ao ambiente. À medida que o movimento ambiental ganha força, várias iniciativas ambientais vão sendo apoiadas por celebridades e outros indivíduos influentes com recursos financeiros. Eles também são importantes no impulso para um futuro mais verde.
A minha mãe recordou-me recentemente da importância de conhecer a verdade e de agir em conformidade num clima social e político que está determinado a manter-nos afastados da realidade. Eu tinha um ano e estava a brincar num parque infantil na selva social de Petržalka (um bairro de edifícios de cimento em Bratislava), quando uma nuvem enorme surgiu no céu. No dia 26 de abril de 1986, pouco antes da meia noite, houvera um acidente na fábrica nuclear de Chernobyl, na Ucrânia soviética. O evento libertou 400 vezes mais radiação na atmosfera do que a bomba atómica largada em Hiroshima. As autoridades soviéticas devem ter-se apercebido de que a nuvem radioativa também iria poluir os países vizinhos. Infelizmente, em vez de tomarem uma atitude, os nossos camaradas preferiram optar pelo silêncio, pela negação e pela mentira. Devido ao embargo imposto à comunicação, o povo da Eslováquia só foi informado sobre o acidente quatro dias mais tarde, num curto aviso publicado na página sete do jornal diário. Eu e a minha mãe observámos, com interesse, a grande nuvem que atravessava o céu naquele dia. Só tomámos consciência das consequências do que acontecera anos mais tarde. Para muitos, já era demasiado tarde.
Nós somos aqueles pelos quais temos esperado
Nós somos os raios de luz de que o mundo precisa. A voz da ativista ambiental sueca Greta Thunberg, de 16 anos, que se tornou famosa pelo seu papel na greve de estudantes a favor do clima à porta do parlamento sueco e pelas suas palestras na TEDx em Estocolmo e Katowice, alcançou milhões de pessoas. Agora, ela planeia afastar-se da escola durante algum tempo para se dedicar plenamente à luta contra as alterações climáticas. Entre os indivíduos mais inspiradores que estão a tentar reduzir o desperdício de plástico encontram-se as irmãs Amy e Ella Meek. São as fundadoras da organização Kids Against Plastic e têm 14 e 12 anos, respetivamente. São ativas nas redes sociais, promovendo a consciência ambiental. Moly Steer tem apenas 11 anos e lançou, com sucesso, o projeto Straw No More, uma iniciativa que pretende incentivar escolas de toda a Austrália a deixarem de usar palhinhas de plástico. Outro exemplo é Isra Hirsi, de 16 anos, de Minneapolis, co-fundadora da U.S. Youth Climate Strike. Hirsi está particularmente interessada na justiça climática depois de ter visto como o aquecimento global está a afetar as comunidades não-brancas do mundo. Outro exemplo é a indiana Asheer Kandhari, de 15 anos, de Deli, uma das coordenadoras das greves estudantis na Índia, membro da #DelhiTreesSOS, uma campanha que está a pedir ao governo que pare com a desflorestação na capital do país.
E agora?
O que podemos, então, fazer para mudar? Em 2016, Rob Greenfield decidiu usar, no seu corpo, todo o lixo que produziu ao longo de um mês. Sacos, recipientes de plástico, copos de café, garrafas de plástico. Ele andou pelas ruas de Nova Iorque parecendo um grande e malvado monstro do caixote de lixo para despertar a atenção das pessoas para o problema do consumo e do desperdício. A culpa não é só nossa: os sistemas de reciclagem da maior parte do mundo não estão equipados para lidar com a quantidade de plástico que produzimos. Culpar os indivíduos e não a estrutura, não é justo. No entanto, todos os anos os consumidores dos países ricos desperdiçam tantos alimentos (222 milhões de toneladas) como toda a produção de alimentos líquida da África sub-Saariana (230 milhões de toneladas). Mais de 500 mil milhões de sacos de plástico são anualmente usados em todo o mundo: o que representa um milhão por minuto. Vamos substituí-los por alternativas reutilizáveis. É a maneira mais fácil de reduzir o consumo de plástico. Se fizermos compras online, podemos pedir ao vendedor que não embrulhe a encomenda em plástico. Este pedido pode ser ignorado, mas quantas mais pessoas o fizerem, mais provável é que se torne uma possibilidade.
Compre alguns tupperwares para não precisar de usar película aderente quando guardar comida no frigorifico. Se preferir comer fora durante a semana, fale com os funcionários do seu restaurante preferido e pergunte-lhes se já pensaram em usar embalagens mais sustentáveis. Leve para o escritório uma garrafa para beber água e uma caneca para beber café. Este ano, em julho, a autora e ativista britânica Julie Burchill publicou no Daily Telegraph um artigo intitulado There's only one way for fashion to be sustainable, and that's for us all to stop buying new clothes. Embora possa parecer razoável numa primeira abordagem, nem todos estão dispostos a fazer um sacrifício tão grande. Aquilo para que estamos preparados é para dar pequenos passos para uma mudança mais sistémica. Quando fazemos compras, devemos comprar de forma responsável e pensar no processo de fabrico dos produtos que consumimos. Vamos pagar um pouco mais, em nome da qualidade e da transparência.
Cada peça de roupa que nos chega às mãos tem uma história. Cada camisa, cada par de calças de ganga. Quando vemos que um produto é Made in Bangladesh ou Made in India, pensemos nas condições de vida dos homens e mulheres que lá trabalham e tornaram a sua existência possível. Continuemos a fazer perguntas desconfortáveis até obtermos respostas. E mesmo que não as consigamos, talvez possamos contribuir para o início de uma conversa mais ampla e profundamente necessária para a nossa sociedade. Não precisamos de produzir mais materiais para fabricar mais roupa. Em vez disso, deveríamos aprender a usar aquilo que já temos. Vamos apoiar as marcas locais. Vamos tentar arranjar as coisas estragadas antes de as deitarmos fora. Vamos reciclar de forma responsável. Podemos depositar as roupas que já não queremos em contentores destinados a caridade ou de reciclagem de têxteis. Se uma amiga sua se queixar que não compra nada há séculos, diga-lhe que está a fazer a coisa certa. Quanto mais tempo usarmos as roupas que temos, melhor será para o planeta. Não é vergonha nenhuma fazer compras numa loja de caridade, de trocas ou de roupa em segunda mão. Estará a contribuir para o bem de todos – incluindo o seu. Há por aí imensos tesouros por descobrir.
"No final, todos queremos o mesmo: ir para a cama com a sensação de que a nossa existência é relevante para nós e também para os outros."
No ano passado, comprei três camisolas de caxemira numa loja de caridade na zona de Campo de Ourique. Eram novinhas em folha. Os materiais de qualidade nunca poderão substituir o poliéster barato. Mas antes de comprar alguma coisa, olhe para a etiqueta e veja qual é o material. Sempre que possível, prefira materiais mais naturais, como algodão ou lã. Apoie as pessoas que estão a fazer um esforço consciente. Se conhece marcas que tenham decidido parar de usar materiais ambientalmente nocivos ou pôr fim à exploração laboral, apoie-as com mais uma compra ou com críticas favoráveis. Organize uma troca de roupa com as suas amigas ou colegas.
A ascensão da fast fashion faz com que o poliéster, sendo barato e fácil de produzir, represente atualmente cerca de sessenta porcento de todos os têxteis usados pela moda a nível mundial. Se acha que não consegue abdicar das suas t-shirts e vestidos em poliéster, pelo menos use o ciclo mais rápido da sua máquina de lavar roupa e escolha a temperatura mais baixa, pois isso reduz o número de micropartículas de plástico libertadas na água. Pedaços minúsculos de fibras têxteis (sobretudo nylon e poliéster), mais finos do que um cabelo humano, estão constantemente a ser libertadas na água e na atmosfera. No final, todos queremos o mesmo: ir para a cama com a sensação de que a nossa existência é relevante para nós e também para os outros. Será possível todos vivermos de forma sincera e significativa se não conseguirmos ver que o global se reflete em escolhas pessoais e locais? A bondade não se mede pelo tamanho da ação. Ninguém espera que sejamos perfeitos – é perfeitamente aceitável cometermos erros enquanto nos encaminhamos para a mudança. O que interessa é que aprendamos com os nossos erros e melhoremos.
Por fim, lancemos o nosso olhar na direção da Etiópia, onde o esqueleto da fêmea da espécie de hominídeos Australopithecus afarensis foi descoberto em 1974. O país onde, no final de julho deste ano, foram plantadas mais de 350 milhões de árvores no âmbito de uma campanha de reflorestação de grande escala chamada Green Legacy, liderada pelo primeiro ministro do país Abiy Ahmed. Escolas e serviços públicos foram encerrados durante um dia no qual apenas uma coisa importava: os etíopes estarem a plantar o futuro do nosso planeta nos solos da Terra. Nesse dia, a Etiópia fixou o recorde mundial do número de árvores plantadas num dia. Isto deveria ser um exemplo de quanto conseguimos fazer se decidirmos agir como um só.
Artigo originalmente publicado na edição de setembro de 2019 da Vogue Portugal.