Casamentos  

There’s no God in Bridezilla

28 Mar 2024
By Sara Andrade

The Bridal Affair | Ilustração de Nuno da Costa

Só o diabo no corpo: quando uma noiva de sonho se transforma no maior pesadelo para aqueles à sua volta, é o inferno na Terra. Mas porque é que algumas mulheres se alteram tanto quando se trata do dia do seu casamento? Como lidar com isso? E como se pode evitar?

No dia em que dizem “sim” ao pedido de casamento, algumas noivas podem também estar a dizer “não” a algumas relações que não vão sobreviver ao árduo caminho até ao altar. A pressão, a expectativa, a atenção arrebatadora são potenciais rastilhos para a libertação de um inesperado monstro, uma situação tão recorrente que até tem termo próprio: “bridezilla”, aquele purgatório de descontrolo em que a noiva se encontra com o Godzilla. “Bridezilla não é um termo reconhecido em psicologia, nem é visto como uma patologia”, refere Joana Canha, psicóloga clínica. “Contudo, muitas vezes é utilizado para descrever um estado em que a noiva se encontra, geralmente quando sente uma enorme pressão interna e/ou externa gerando estados de stress e ansiedade, levando a uma dificuldade de gestão emocional e a momentos de descontrolo emocional. Este estado é tão intenso que leva a que estas mulheres façam exigências absurdas a amigos e familiares, muitas vezes desconsiderando os sentimentos dos mesmos.” É por episódios do género que a Internet está cheia de damas de honor destituídas do cargo, besties que dizem bye-bye uma à outra e familiares deserdados por causa desse anel que transforma o conto de fadas em Mordor. Algumas histórias em que o “my precious” suplanta o “you’re precious” passam pela exigência de determinados favores que ultrapassam os limites da lógica e desprezam (e desconsideram) os sentimentos e o conforto dos convidados mais próximos da noiva – esses que assistem de primeira fila e que, por isso, são também os primeiros a levar com o bolo na cara quando a protagonista explode. Uma ficou furiosa quando a irmã fez uma tatuagem inocente e a acusou de estragar as fotos do casamento; outras (no plural) queriam que as suas bridesmaids estivessem disponíveis a seu bel-prazer; uma em particular achava a dama de honor demasiado gorda e queria que perdesse peso; e, ainda na ótica do look, há até noivas que exigem mudanças de visual radicais – cortes de cabelo indesejados, furos nas orelhas e outros requests que tais, num rol infindável de noivados do demónio que povoam sites como o Buzzfeed e o Reddit. Duas particularmente chocantes incluem a de uma noiva que achou um desrespeito uma das damas de honor ter engravidado e outra que não deixou o noivo acompanhar o pai, que acabara de ter um ataque cardíaco no meio da cerimónia, ao hospital. Histórias sobre exigências dispendiosas sem consideração pelo budget das amigas também surgem em abundância pelo ciberespaço. Parece inconcebível? Talvez não tanto como se julga. 

“O casamento, para a grande maioria, é o evento mais especial da vida de uma pessoa”, começa por explicar a psicóloga, para introduzir as variáveis que possam criar o cocktail perfeito para fazer sair a Mrs. Hyde, aquele alter ego tão macabro como o monstro do Dr. Jekyll. “O planeamento de um casamento envolve uma grande capacidade de organização, mas também uma grande resiliência à frustração e à pressão. Há a procura da perfeição, até ao mais pequeno pormenor, a exigência da gestão de opiniões de familiares e amigos mais próximos, o medo de que alguma coisa falhe e a procura de tornar aquele dia num evento memorável para todos. Tudo é pensado ao pormenor, com um enorme investimento de dinheiro, tempo e dedicação. Isto ao longo de vários meses, numa pressão constante para que nada falhe e a logística de tudo o que um casamento envolve para convergir numa dança perfeita naquele dia. Esta expectativa (irrealista e idealizada) muitas vezes não tem espaço para o imprevisto, o incontrolável. As noivas ficam sob um enorme stress e, habitualmente, são inundadas por um sentimento avassalador, levando-as a sentirem-se assoberbadas, sozinhas e tensas por longos períodos de tempo. Esta exposição ao stress e à ansiedade pode (em estados mais extremos) levar a uma instabilidade emocional. Contudo, nem todas se tornam em bridezillas. Aquelas que encaixam nesse chapéu são as mulheres que desconsideram por completo os sentimentos de familiares e amigos, tratando-os de forma desadequada e ofensiva.” A psicóloga aponta ainda que, apesar deste comportamento não ser considerado uma patologia na sua área, isso não significa que não mexa com a saúde mental, claro, por tudo o supracitado. É óbvio que, apesar dos múltiplos episódios a validar a existência da personagem bridezilla, nem todas as noivas aqui chegam, mas quando as variáveis se conjugam, o contexto ideal para o alter ego surgir está formado. O ego pode também ser uma dessas variáveis, explica Canha: “Ainda que possa não partir de uma questão de ego, este está envolvido. Há variadíssimas histórias onde a noiva faz pedidos ou exigências absurdas, com total desconsideração pelo outro. Muitas vezes, o sentimento de direito toma grandes proporções e a noiva transforma-se em algo mais parecido com uma ditadora. Aqui é visível a necessidade do controlo extremo, e, muitas vezes, a de estar sempre no centro das atenções durante todo o processo e não só no dia”, acrescentando que “o casamento é sobre a união de duas pessoas, contudo as atenções recaem mais na noiva. Noivas mais inseguras, mas com uma postura mais agressiva sobre as suas vulnerabilidades, podem exagerar para não mostrar (e por vezes nem sentirem) essa insegurança.” Mas nem só de dentro chega o godzilla. Às vezes, é o exterior que espicaça a vilã: “Nem todas as bridezillas são bridezillas reais”, alerta a psicóloga clínica. “Ou seja, muitas mulheres acabam por ter alguns comportamentos desadequados com outras pessoas como consequência de várias variáveis, tais como a pressão das expectativas irrealistas de outros (como deve ser a cerimónia, o copo de água, o vestido...), a constante tentativa de fazer corresponder o dia ao que a noiva tem idealizado na sua cabeça, a gestão do grande investimento financeiro, mais discussões entre o casal e até a meteorologia do dia.” Joana Canha ratifica que a pressão social e familiar podem agudizar, e muito, este comportamento: “Em diversas ocasiões da vida, as outras pessoas têm sempre algo a dizer e o casamento não só não é exceção como é terreno fértil para isso. As sugestões (ou até mesmo imposições), a opinião e crítica de vários aspetos e as expectativas dos outros, têm uma grande influência na forma como a noiva se sente durante todo o processo. São um grande elemento de stress e ansiedade e muitas vezes são opiniões com base nas ideias de terceiros e não nos desejos do casal.” 

O contrário também é verídico: da mesma forma que podem exponenciar o stress, os elementos da bridal party também podem ajudar a amenizar o escalar da “violência”, ou seja, podem ser fator dissuasor do lado negro da noiva. “As pessoas mais próximas podem ajudar, ao estar atentas ao estado emocional da noiva, perguntando ocasionalmente como se sente e se precisa de ajuda, contribuir para a noiva se divertir e até deixar de pensar no planeamento (proporcionando momentos de diversão)”, sugere Joana Canha. “Lembrando sempre que é o dia dela e que, naturalmente, é um dia para o casal se sentir especial, os contributos deverão ser feitos com afeto e tato.” É preciso não esquecer que “a mulher/noiva está exposta a uma maior pressão”, continua a psicóloga clínica. “É um termo que (muitos) acreditam estar ligado a uma expectativa mais tradicional e conservadora do papel da mulher, do que é esperado dela, da forma como se veste e se comporta. Historicamente, o papel de organização do casamento tem recaído quase sempre sobre a mulher, exigindo-lhe mais do que ao homem. Contudo, ressalva, “há também homens que querem tomar as rédeas da organização do casamento para si, podendo-se tornar em groomzillas, Não é tão frequente, mas é possível”, assinala Canha. Esta atenção social ligada à organização do enlace deve pesar no modo como se interage com a protagonista. Se é alguém habituado a ser brutalmente honesto com a noiva, relembre-se que os nervos, neste processo, estão mais à flor da pele do que numa situação “normal”, o que talvez exija de si mais paciência. Se for preciso, desabafe com outras pessoas próximas, para manter a cabeça fria na altura de lidar com a bridezilla em potência. Ajude a atenuar a pressão, combinando algo divertido, esteja disponível para a ouvir e mantenha a empatia. Mas estabeleça limites, porque a cedência constante a todos os caprichos também validará a sua continuação. Se tudo se tornar demasiado intenso e caótico, também é válido dar espaço para preservar a sanidade mental – e a relação – de ambas as partes. E se o descontrolo se tornar insuportável, não vale a pena tornar-se um alvo, afaste-se. Por mais que haja uma compreensão extra pelas exigências do evento, essa compreensão não pode ser unilateral.

Caso esteja a ler este artigo e é a noiva em questão, e ficou com receio de vir a fazer o check em todas estas alíneas da bridezilla, respire fundo e tente não se sentir assoberbada. Só assim conseguirá libertar-se (um pouco) da pressão desnecessária. “Atualmente há cada vez mais casais que recorrem aos wedding planners com o objetivo de retirar ou diminuir drasticamente o stress e pressão associados à organização do evento. Mas isso envolve mais uma despesa financeira”, indica a psicóloga. “A organização de um casamento tem a sua dose de tensão e preocupação, mas há algumas gestões que a noiva pode fazer para não chegar a um ponto de descontrolo (e muitas vezes de sofrimento) tão grande. É possível planear um casamento sentindo prazer na organização do mesmo. É necessário que se esteja disponível para aceitar que, apesar dos maiores esforços, algo não vai correr como planeado e que está tudo bem. O importante é o objetivo do casamento, que é casar com a pessoa com que se quer estar. Ter capacidade de relativizar algumas coisas, pensar no que é realmente importante; delegar e pedir ajuda; não se esquecer de fazer pausas no planeamento, descontrair; envolver o parceiro e não fazer tudo sozinha.” Afinal, se a vida é para ser a dois, que se comece já: para estarem ao lado um do outro na riqueza e na pobreza, na doença e na saúde, no casamento e no seu planeamento. 

Há outras histórias sobre Bridezillas para descobrir no The Bridal Affair.

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Originalmente publicado no The Bridal Affair, o suplemento de noivas gratuito e exclusivo que acompanha a edição de março da Vogue Portugal, The Blossom Issue, disponível aqui

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