Cozinha é uma coisa, gastronomia é outra. Em cozinha, permitem-se e premeiam-se imaginativas misturas e criativas orgias. Na gastronomia, já não é bem assim... Não se deve mexer no que está perfeito. Mas é a busca incessante da primeira que leva à segunda. Porque o fim é que interessa: o prazer!
Cozinha é uma coisa, gastronomia é outra. Em cozinha, permitem-se e premeiam-se imaginativas misturas e criativas orgias. Na gastronomia, já não é bem assim... Não se deve mexer no que está perfeito. Mas é a busca incessante da primeira que leva à segunda. Porque o fim é que interessa: o prazer!
Não há casamentos perfeitos, diz a esmagadora maioria dos que já o experimentaram. Instala-se o conformismo, a monotonia, o desejo esmorece e, só então, se inventam mil e uma artimanhas para apimentar a relação, reacender a chama, ou, para termos menos relacionados com cozinha, contornar uma rotina que assassina até os romances mais prometedores. Não são precisos grandes estudos no âmbito das ciências sociais e humanas para perceber qual a razão para esta ser a mais corriqueira das situações entre casais: o nosso problema é não sermos comida. Não? Atente-se: quem ousaria separar uma posta de bacalhau da Islândia de um prato de grão devidamente demolhado e cozido em panela de pressão? E entre um bife da vazia e o ovo estrelado que o encima, num acasalamento quase sensual, alguém arrisca a meter a colher? Aqueles "artistas de tasco" que justificam a infidelidade com um néscio "não se pode comer sempre carne, às vezes apetece peixe", conseguem contar quantas vezes na vida abriram uma lata de atum e despejaram, desapaixonadamente, o seu conteúdo sobre o de um frasco de feijão frade para depois se deleitarem com o sabor deste casamento como se fossem gourmands diante de foie gras? Sabem o que fazem os grandes cozinheiros das escolas francesas? Se está pouco bom, adicionam uma noz de manteiga. Mas nunca desculpam o insucesso com falhas alheias. É próprio dos fracos. Há, sim, almas gémeas e casamentos perfeitos. E sabem que nem ginjas. Em copos de chocolate. Sabem aqueles verões que em setembro ainda estão a todo o gás, quando os dias já são mais curtos mas os banhos no mar ainda se dão ao pôr do sol e, mesmo assim, a vontade de ir embora da praia contrasta com a dificuldade que teremos em ir trabalhar no dia seguinte (porque as férias já lá vão e a escola dos miúdos já começou)?
Sim, eu sei, já foi há muitos anos e temos dificuldade em recordá-los. Mas eles existiram, efetivamente. Está documentado. Foi num desses, enquanto recolhia o fedelho (agora um garboso e não-tão-chato-como-eu-esperava teenager) do infantário, toalha ao ombro e na mão um saco de ancinhos e pás e baldes e formas para fazer dinossauros de areia molhada, prontinhos para um fim de tarde caparicano, que recebi um telefonema da minha mãe: "Vem cá buscar tomates, que eu já não sei o que hei de fazer com isto tudo", suplicou. Ah, os finais de estio dos alentejanos radicados na Margem Sul, semanas e semanas alternando entre sopas de tomate com ovos escalfados, ovos mexidos com tomate, migas de tomate, frango de tomatada, tomatada com peixe frito e saladas de tomate a acompanhar tudo quanto é peixe assado (sim, na Margem Sul não há peixe "grelhado", se a sardinha é "assada", também o é o besugo, o salmonete, o carapau, o peixe-espada, o peixe-porco e todos os outros que não o robalo e a dourada, reservados para arribadores de fim de semana que os mandam "escalar" para ficarem tão secos que os estabelecimentos não ganham para o azeite dos galheteiros). Para além disso, há frascos e frascos de doce de tomate que, com sorte, ainda chega ao Natal, para barrar e enobrecer o bolo rei que já ninguém pode ver à frente quando o Ano Novo espreita e tem de ser torrado para se conseguir morder. Lá fui eu, temeroso dos superpoderes que os micro-organismos têm ao utilizar a humidade dos vegetais como fuel para os degradar ou, por outras palavras, sabendo os riscos que corria em deixar dois baldes de tomate-rosa e coração-de-boi dentro da bagageira do carro sobre o qual incidiriam, no mínimo, 30ºC durante algumas horas. Não obstante, a minha mãe ficou toda contente (e é para isso que nós, os filhos, cá andamos, embora o percebamos já a idade vai mais avançada do que devia) e eu encontrei um lugar à sombra. Na praia, a diversão costumeira e a invasão de gaivotas formando uma densa nuvem por cima do barco (chata) que traz o cabo para terra. Estava na hora (ou na maré) de alar (puxar) o xalavar (saco de rede onde vem o peixe). A Arte Xávega, tradição caparicana com especial incidência na Fonte da Telha, é a alegria dos turistas, que se acham na grande fortuna de estar, em plena União Europeia e não num exótico destino longínquo, a comprar, diretamente ao "produtor", o peixe para o jantar.
Para nós, é quotidiano. Para esta chusma de visitas de passagem, é uma festa, uma comunhão de sorrisos e correria para ir buscar a família à toalha, "Traz a câmara, Mateus", "Larga o castelo de areia, Constança", "Parem lá de jogar à bola, Dinis, Lourenço e Santiago, que isto é melhor que ver o Ronaldo a jogar", as influencers fazem beicinho em selfies perfeitas, com o pôr do sol lá para os lados de Sintra a iluminar este afã de gente que abre o xalavar sobre o oleado e espalha, à vontade, meia tonelada de pilim (carapau pequeno, mais pequeno que o jaquinzinho, uma espécie de bombom do mar, que tem de ser frito em conjuntos de quatro ou cinco trespassados, pelos olhos, com um palito). O peixe é tanto que há gente a encher baldes "andando ao rabisco" (apanhando o que sobra e é levado pelas ondas). A mim, endémico que sou, entregam-me um saco com uns 3kg. Exijo pagar. Respondem-me que, só na última semana, este é o décimo lance igual: "'Tá à pá, o carapau. Na lota pagam 0,50€/kg, na praça cobram 5€/kg às pessoas. Isto não é gozar co'a gente? 'Atão, mas eu sou filho d'algum alfarineiro ou quê? Arrepá, leva lá isso e 'tá calado". Nestas coisas da populaça, as transações monetárias sujam mãos, mas as trocas de produto limpam-nas. E eu lembrei-me dos tomates. Subi ao carro, deixei o peixe e desci com uma sacada de rubra fruta da época. A alegria das coisas simples é uma exclamação do tipo: "Ah pá hoje já não vai com açorda, já na podia co' açorda" e fez-se luz no meu lado... A altura do ano em que o tomate enche os cestos é a mesma em que o carapau pequeno entra nas redes, dadivoso bicho. E não há nada como o casamento dos sabores entre uma mão-cheia de jaquins com arroz de tomate. Até parece que estou a ver a sazonalidade a fechar o livro e a dizer, com um sorriso: "Pronuncio-vos Prato do Dia de inúmeros restaurantes de Norte a Sul, podem beijar as pontas dos dedos".
Alguns Saberes dos Sabores são muito mais antigos que Portugal. Sendo que Portugal aprendeu-os bem. A minha ascendência, de Ourique, celebrava a união da família, num domingo qualquer em qualquer altura do ano, com uma mesa redonda onde, ao centro, estava um cozido de grão. Era como mandar definitivamente às urtigas toda a fome que quase todo o Alentejo passara durante a maior parte do séc. XX, esfregando na cara das recordações amargas uma fartura impensável poucos anos antes. Enchidos, abóbora, cenoura, entrecosto, orelha, focinho, toucinho, galinha, vaca, o tacho era gigante e a fome muito pouca só de olhar para aquele espetáculo. No fundo, tudo podia ser reduzido à mais básica das lições que os Mouros deixaram pelas planície e montados. A mesma que podemos ainda saborear, em pleno, no exótico Reino de Marrocos, mas também em outras regiões do Alentejo... Algum grão, um pouco de borrego e muita, mesmo muita hortelã. Não só no Alentejo mas por Portugal inteiro, enquanto os frades se dedicavam a conceber destilações experimentais e licores divinais, as freiras criaram aquela que é, provavelmente, a melhor doçaria do planeta. Como? Simples... Num tempo em que o dinheiro só calhava à nobreza e à burguesia (como se assim não o fosse hoje, mas longe de mim quaisquer considerações políticas), o povo continuava a ter de dar "oferendas" aos conventos, consoante as suas posses. Que se traduziam em ovos. Como as claras eram usadas para engomar os hábitos das freiras, sobravam as gemas. Muitas gemas. Às quais era adicionado açúcar. Há cópula de ingredientes mais perfeita? Talvez adindo um pouco de farinha. Mas o epítome da relação perfeita foi atingido depois dos Descobrimentos. Com a canela (que também vai bem com laranja) e o coco. Este acasalamento (sim, porque já passa do patamar do moralmente aceitável para o puramente mundano) de aromas encantou de tal forma o palato de todos os que se cruzaram com os portugueses que o brasileiro Projeto Tamar, a maior organização de proteção de tartarugas marinhas do mundo, nasceu na Praia do Forte dos anos 70 para sensibilizar a população a abandonar a autêntica "caça aos ovos" nos areais da Baía. É que só com galinhas não se conseguia cobrir a procura por quindim e baba-de-moça. Dependendo da espécie, cada tartaruga põe, em média, 130 ovos. As crias que sobrevivem, nadam pelos oceanos e, só ao fim de 35 anos, idade em que atingem a sua maturidade sexual, regressam para a primeira desova à mesmíssima praia onde nasceram, com uma margem de erro de 1km. É de uma exatidão quase tão louvável como os pontos de açúcar de um Pudim Abade de Priscos. E que perdia toda a beleza no tempo em que estavam centenas de baianos no areal a "fazer uma espera" aos pobres bichos.
Achei por bem deixar este assunto das relações entre sabores, que é assaz delicado porque vai do casamento formalíssimo e respeitador às mais despudoradas orgias, swings e doggings que tais, para quem o domina em pleno. Hugo Nascimento autodenomina-se "Aprendiz de Cozinheiro desde 1976". Não que o homem não seja humilde, mas prender-se-á esta definição com o facto de ser um eterno curioso que aceita o facto de um chef de cozinha, quando o é no âmago, levar a vida toda a aprender como forma de descobrir. Quem conhecer alguns dos melhores restaurantes da capital sabe de quem falamos. Começou ao lado do chef Vítor Sobral no histórico Café Café em Alcântara e nunca mais o largou. Do restaurante Terreiro do Paço, onde assumiu pela primeira vez a posição de chef de Cozinha, passou para a Tasca da Esquina, Peixaria da Esquina, Padaria da Esquina, andou pelas competições internacionais mais importantes, faz consultoria nos restaurantes do Grupo Quina em João Pessoa, São Paulo e Angola, é food stylist, formador, conferencista e autor de livros. Assim, e em princípio, é capaz de ter algum voto nesta matéria. "Falas-me em casamentos perfeitos e lembro-me logo do meu", remata imediatamente, à ponta de lança benfiquista, mas com razão, porque eu conheço-o (a ele é à Joana) e sei bem do que fala. E prossegue, com a sua jovialidade: "Pão com manteiga... É o casamento perfeito para mim. Pela simplicidade. Muito culpa da minha avó que assim que tirava o pão do forno chamava os netos para o provarem. Com manteiga". Sim, para se ser um grande chef tem de se conhecer os mais básicos e primordiais sabores. As memórias do palato também desempenham o seu papel: "Sopas de pão com café de cafeteira açucarado e queijo de ovelha curado em cubos. Faz parte da minha infância e isso faz com que sejam sabores que me transportam e mexem comigo". Depois, vêm as descobertas ao longo de uma já considerável carreira: "Melancia, gengibre e lima formam um perfume comestível com apenas três ingredientes. Pela frescura que me transmite. É verão puro", até que chegamos a uma das suas últimas abordagens: "Rabanetes, em lâminas, com maionese de caril e flor de sal. Há um vegetal ligeiramente picante, gordura, especiarias e sal". Antes de avançarmos mais, este Back to Basics de Hugo Nascimento prende-se um pouco com uma considerável mudança na carreira mas também, ou principalmente, na vida. Está agora em Odeceixe, "Para trabalhar num projeto meu. Família. Surgiu a hipótese de podermos continuar a desenvolver o nosso trabalho num ambiente melhor, mais saudável, mais tranquilo, com muito menos ruído e decidimos, eu e a Joana, não desperdiçar esta oportunidade". Naperon, o seu novo espaço, está inserido no turismo de aldeia Casas do Moinho e está a dar os primeiros passos. É lá que podemos provar aquilo que é, para o chef da casa, outro exemplo que cabe na temática: "Foie gras no forno com marmelos cozidos. O fumado e o tostado do fígado com uma fruta, pouco doce e cozida, equilibram-se e transformam um pedaço de gordura e uma peça de fruta num casamento perfeito. Sou suspeito, sim, adoro marmelo e estamos em Outubro", sorri. E se as criações do Hugo já eram o que eram no bulício lisboeta, o que podemos provar no Naperon, envoltos na paz de Odeceixe, é só inacreditável.
Joe Best "andou ao mar". Quer isto dizer que, desde tenra idade, caparicano que é, a faina era o seu mister. Isso tornou-o no Embaixador de Neptuno ou, para não incorrermos em exageros, a mais alta autoridade na transformação de matéria prima proveniente dos oceanos em criações de cozinha que não lembram ao mais genial dos Master Chefs. A sua empresa, DaCozinha, oferece serviços de personal chef, consultoria, criação de conceitos, cooking classes, eventos, trading, mas o que ele faz mesmo bem é cozinhar peixe e marisco. Com requintes de ciência e jeitos de alquimia. Do que considera um casamento perfeito, teria de marcar sempre presença o bacalhau, o azeite e o alho. Com batatas a murro para ensopar: "Básico. Vem de série. Está no ADN. Nascemos com Gadhus Morua no código genético. O alho não pode queimar senão arruína aquilo tudo. O bacalhau assado em lume forte, lascado, a sorver aquele azeite, que se funde com o colagéneo do peixe e parece desaparecer no prato. Mas não, só se emulsionou perante tanta beleza. Uma batatinha assada levemente agredida com carinho cai sempre bem", brinca, muito a sério, com aquele jeito próprio dos pescadores de alto mar, essa espécie em extinção. É preciso entrar na onda para nos embalarmos com este “falarejar” de mar no sangue: "Mexilhões, cebolada e vinho branco bom é chão sagrado, comida de infância. A maré vazia e nós lá na terra a apanhar mexilhões enormes como nunca vi na vida. No tempo bom, mergulhávamos na Nova Praia, em águas grandes apanhávamos uns mexilhões gigantes que estavam umbilicalmente ligados a um velho cargueiro de chumbo, naufragado, que também levava freiras. Cebola bem dourada, vinho bom com abundância. Ao ferver, junta-se o mexilhão fresco e deixa-se o animal suar durante breves minutos. Naquele meu tempo de menino a crescer, ajudante de banheiro na praia do Paraíso, pé sempre descalço desde a areia até casa, de t-shirt branquinha do Instituto de Socorros a Náufragos, íamos comer tainadas deles para o velho barracão e o Lobo do Mar Capela, pescador de inverno e nadador salvador no verão, dizia para no final pegarmos na concha maior e ‘comam a sopinha toda, meninos!’. Hoje em dia evoluí o conceito e junto espumante. É só fechar os olhos e sentir o coice de mar, o corso, a fola", eu avisei acerca da terminologia, não avisei? De "Menos é Mais", Zé Besteiro (nome real e não o "artístico") também percebe: "Nada bate um bom peixe fresco, arrepiado de sal, passado por farinha e frito. A fritura é um dos primeiros pratos da gastronomia molecular, a extração da água do alimento por intermédio de uma gordura a fervilhar a cerca de 180 graus Celsius. Depois é só lamber os dedos e gastar 15 guardanapos. É que é do pilim à faneca, do carapau ao peixe-galo, da azevia à enguia. Se houver um arrozinho de tomate, a escorrer, a fugir pelo prato fora, o malandro, tanto melhor. Até remamos à Nossa Senhora do Cabo, como o calamote da rede de pesca", mas quem é gourmand sempre aparece: "Um cocktail de camarão alternativo, o camarão descascado e cozido ao vapor, no ponto, untuoso pelo abacate esmagado a garfo para não perder toda a textura, o toque amargo de um café forte e umas pedras de sal para terminar, antes da explosão de sabores no véu do palato, ou lula fresca e manteiga boa, pode ser de ovelha, Azeitão... A lula deve ser muito fresca, acabada de apanhar na toneira ou na rede, quanto mais transparente estiver, mais fresca está. Deve ser assada sobre brasa forte, durante pouco tempo, para grelhar e não cozer, porque tem uma grande percentagem de água. Mal seja tirada do lume, é espalhar manteiga como se fosse um protetor 50 num dia de praia de sol muito forte. Nem tem explicação, é absolutamente irresistível. Uma batata boa, uma Asterix das Terras da Costa, cozida, salpicada com salsa picada e o mundo é um paraíso. O limão espremido é facultativo mas, como desenjoa, sempre permite comer mais uma ou duas", remata, antes da Trufa, a sua porca de estimação, começar a arranhar a porta porque também já está com fome.
Débora Castro não é chef de cozinha. É mãe e gosta de comer, ponto. Foi empregada de mesa, gerente de loja de roupa, trabalhou em agências de publicidade, em jornais como fotógrafa, em rádio como locutora, geriu projetos em várias empresas e áreas, foi produtora de eventos e professora. Em 2012 abriu um restaurante com a mãe na sua Lisboa mas tal provou não estar em conformidade com os seus desejos. Foi então que, por alguns atalhos, conheceu a Margem Sul no geral e a frente ribeirinha do Seixal em particular. Foi ali que decidiu viver, por cima do rés-do-chão de um edifício histórico seixalense, junto à baía do estuário do Tejo onde arribam flamingos, e onde abriu aquele que é um dos melhores restaurantes numa zona já de si famosa pela qualidade da restauração. Um espaço humilde mas onde se dignifica o produto: "Quando fui mãe, a minha preocupação aumentou muito em relação à origem do produto e à responsabilidade enquanto consumidora. Não sou vegan. Mas em casa e na loja não há sempre carne ou peixe. Não aceito carne com antibióticos e cujo sofrimento do animal ultrapassa o inenarrável. Peixe só do mar. Vegetais tanto quanto possível bio mas desde que a pegada ecológica não seja absolutamente contraproducente. O mesmo com os cereais ou compotas". Nota-se. Ou degusta-se, vá. No Alma do Rio, há pratos simples mas cujo sabor nunca mais conseguimos replicar desde o tempo dos nossos avós, talvez porque a diferença estava, como aqui, na origem da matéria-prima. Mas também há criações geniais, com casamentos perfeitos de sabores, que é o que aqui interessa. O resto é de uma importância que, mais dia menos dia, não vamos conseguir contornar: "Manter uma alimentação consciente é ser sustentável. Se diversificarmos, conseguimos comer tudo bio sem ser estupidamente caro. É claro que umas peras biológicas são mais caras do que as que crescem desmedidamente, mas se consumirmos sazonalmente, os valores podem ser bem mais baixos. Há também o recurso a pequenos produtores locais não adeptos do sulfato. Contribuímos para o sustento de outras famílias e ajudamos a contribuir para o comércio de proximidade, que ajuda e muito na diminuição da pegada ecológica", conclui. Almas Gémeas gastronómicas estão muitas vezes na carta do Alma do Rio e são aquelas que Débora elege como perfeitas: Caril verde de camarão com arroz vermelho, Polvo com trigo sarraceno ou cevada e Arroz preto com galinha masala, tudo isto acompanhado com muitos vegetais o mais frescos possível, para que sabores e texturas possam contribuir para um casamento perfeito. Quando possível, porque no Alma do Rio tudo depende da sazonalidade e do que o mercado disponibiliza pela manhã, as outras relações que Débora elege como rainhas são Camarão com vinagrete de laranja, Peras com tâmaras e coco (a melhor sobremesa que alguma vez comi) e coisas tão simples como Batata doce com tomilho fresco ou Tomate com ovos e hortelã. Aqui para nós, que ninguém nos lê, vale tanto a pena uma deslocação à Margem Sul para provar as criações da Débora como ir até às Maldivas passar dez dias num resort. Fica a dica.
Artigo originalmente publicado na edição de novembro de 2019 da Vogue Portugal.