É esta a mensagem que Alexandra Moura envia para o mundo em cada ponto que dá.
É esta a mensagem que Alexandra Moura envia para o mundo em cada ponto que dá. A evolução, de uma marca que hoje em dia já está estabelecida aquém e além fronteiras, foi feita com esforço, dedicação, dúvidas e certezas em igual medida, mas acima de tudo, com muito amor.
Alexandra Moura existe nas passerelles em duplicado desde 2002: enquanto marca, apresentando em diferentes semanas de Moda europeias; e enquanto pessoa que dá nome à etiqueta, diretora criativa, fundadora e ser humano, com tudo o que isso acarreta - como as dúvidas e certezas. "Já foram muitas as alturas em que o pensei", confessa quando lhe perguntamos, enquanto caminha a passos largos para duas décadas de casa homónima, se alguma vez equacionou desistir. "Não se enquadra num espaço temporal, mas são coisas que surgem na cabeça. As razões são variadas dependendo do tempo em que estou e como me sinto, mas seguramente que uma das razões é o facto de ser uma área que exige muito de nós e cujo retorno é demasiado lento, principalmente em Portugal. Razão pela qual o nosso investimento é quase todo feito na internacionalização da marca. Portugal é um país incrível, mas demasiado pequeno, com uma cultura de moda e de consumo do que é nacional demasiado pequena e isso faz repensar as estratégias." E repensar estratégias foi sempre algo que fez em relação à marca, dando passos ponderados e seguros para chegar onde está agora, mas não sem alguma luta pelo meio. Um colega seu de profissão - Valentim Quaresma - disse, uma vez, numa entrevista à Vogue, que ser designer de Moda em Portugal não é uma escolha, é uma decisão, porque é necessário decidir que se vai batalhar para concretizar essa paixão, com todas as dificuldades e recompensas que isso acarreta. Alexandra ratifica essas dificuldades. Mas aumentar a audiência é uma dessas boas consequências.
Kelly Bailey em Alexandra Moura | Vogue Portugal Connected de junho 2019
Kelly Bailey em Alexandra Moura | Vogue Portugal Connected de junho 2019
No caso de Moura, a internacionalização, concretizada - e bem -, chegou em boa altura, porque é também o fator que a faz ter energia e certeza para continuar a movimentar-se e a batalhar neste setor. E o mercado internacional também o aplaude, pois sempre a acolheu com reverência e carinho: 2015 viu a marca chegar ao calendário da London Fashion Week Official Showroom, selecionada pelo British Fashion Council, bem como a showrooms durante a Paris Fashion Week; o sucesso e demanda do público e buyers garantiu a sua assiduidade neste contexto, que até agora se mantém, e ao qual se juntou também a presença no calendário oficial da Semana de Moda de Milão, a convite da Camera de Moda italiana, desde a coleção de outono/inverno 2019. Pelo caminho, acumula o bónus de ser a única designer portuguesa nas publicações Young European Fashion Designers (2007), Atlas of Fashion Designers (2009), Mapa da Moda Contemporânea (2011) e Fashion Design Sourcebook (2011).
Apesar do mercado estrangeiro lhe ter trazido a sustentabilidade da marca, não é a única audiência que lhe reconhece o valor incontornável enquanto designer de Moda: o público português, ainda que não represente a percentagem maior de sustento da marca, é uma fatia que a aprecia - e é apreciado por ela - e que contribuiu para a sua escalada modo "devagar se vai ao longe". Distinguida com o Prémio Mulheres Criadoras de Cultura (as homenageadas obedecem a critérios como relevância e coerência da obra, inovação e caráter pioneiro da atividade artística e impacto social e cultural da obra produzida), atribuído pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e pelos gabinetes do Secretário de Estado da Cultura e da Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, em 2015, vence ainda, em 2018, o Globo de Ouro na categoria de Melhor Estilista em Portugal. No consumo, os portugueses podem ser tímidos, mas são fiéis, sendo que sem dúvida a marca aglomera nomes de peso entre os seus fãs - Dino d'Santiago, por exemplo, é um deles, acumulando looks de concertos AM, mas também a capa do seu mais recente álbum, Kriola, cujo conceito e design de artwork é da autoria de Alexandra Moura.
Joana Ribeiro em Alexandra Moura | Vogue Portugal Cinema de fevereiro 2020.
Joana Ribeiro em Alexandra Moura | Vogue Portugal Cinema de fevereiro 2020.
Dinâmica e visionária, não se coíbe de, ao trabalho árduo de gestão de marca e criação de coleções a partir de um atelier feito de poucos mas incriveis profissionais, adicionar mais camadas com tanto de extenuante como de compensador: em 2019, foi a designer escolhida pela marca Decenio para uma parceria, de onde nasce a coleção cápsula #DECENIOALEXANDRAMOURA e que lhe valeu o prémio de Excelência Empresarial na categoria Prémio Marca, atribuído pela ModaPortugal e CENIT. Neste percurso pavimentado não só pelas conquistas enquanto criadora, mas acumulando com outras competências (como o desenvolvimento de fardamentos e figurinos, a docência no curso de Design de Moda da Escola Superior de Artes Aplicadas em Castelo Branco, bem como na Modatex, e na ETIC em Lisboa), Alexandra é conhecida por não virar costas a projetos, nomeadamente aqueles que elevam o design português e promovem os seus colegas. Quando tinha a sua loja com montra para a rua, no Príncipe Real, não se coibiu de incluir no seu interior outras marcas nacionais e cedeu corners no seu pequeno, mas catita, espaço para os seus pares, como Dino Alves e Nuno Baltazar.
Aliás, até aproveitámos para lhe perguntar com que designer nacional faria uma colaboração, e confirma essa proximidade com os colegas, nomeando as "duas pessoas com quem já trabalhei, a Ana Salazar e o José António Tenente. Acho que nos íamos divertir muito! Partilhar as nossa ideias e conceitos e com tudo isto criar algo juntos." Mas também ressalva com veemência que a pior pergunta para lhe fazerem é "quando te pedem para dizeres/escolheres o teu autor, designer, músico, comida, etc, favorito. A minha resposta é 'não sei dizer', porque de facto para mim é muito complicado escolher uma pessoa em alguma área. Eu sou movida por várias coisas, pessoas, etc, e isso tudo junto faz-me ser o que sou, pensar como penso e criar como crio, por isso não peçam para escolher porque tudo faz sentido no momento certo."
Mais ou menos como se movem as suas coleções. Nascem de forma orgânica e por instinto, naturalmente, o que não quer dizer que não haja sempre o fator nervosismo associado - que só alguém com muita paixão pelo que faz pode sentir este nível de incerteza: se algum dia deixar de questionar as suas decisões ou não sentir aquela ansiedade saudável pelo trabalho, há algo de errado no reino de Alexandra Moura. "No final de cada coleção, esse sentimento de que poderia refazer alguma coisa é uma constante", confessa, quando lhe perguntamos sobre o espólio passado. "Faz parte de mim e do meu processo de criação, acho que a cada momento que passa poderia fazer algo diferente, melhorar isto ou aquilo, alterar, etc."
Não sabemos se isso eventualmente se aplica também às estações mais recentes, mas, quanto a nós, não vale a pena mexer numa linha que seja. O ano de 2020 trouxe uma Alexandra Moura que coloca o ADN da marca o mais apurado possível, com uma maturidade de evolução que denuncia a etiqueta, mas de uma forma mais segura do que alguma vez esteve. Segura, mas nunca repetitiva: seguir Alexandra Moura é saber reconhecer o seu design, mas ser constantemente surpreendido por ele. "Gadidae é o nome da coleção para a primavera 2020", introduz, sobre as mais recentes apresentações. "Esta palavra provém do latim, nome atribuído à família da espécie do bacalhau. Tem como ponto de partida a dura profissão dos pescadores dos Bacalhoeiros, estendendo-se depois aos vários tipos de pesca e gente que vive do mar. Vão em longas jornadas de pesca, onde enfrentam as condições adversas do mar e do clima, bem como a saudade dos que ficaram em terra. Nas praias, a pesca de arrasto toma conta da paisagem. Nas praças e mercados, as peixeiras passeiam os seus cestos carregados de peixe fresco. Os estendais das suas casas com os tapetes pendurados, as janelas decoradas e o peixe esticado ao sol." Em têxtil, isto traduz-se nas "influências dos detalhes utilitários da roupa de trabalho no mar e do seu vestuário em casa", aliadas à aposta no oversize e linhas de streetwear dos dias de hoje. Fortemente influenciadas pela silhueta e detalhes dos albaioses, as propostas apostam no "excesso de bolsos usados nos coletes e nos encaixes que reforçam as calças para trabalhos mais pesados" e "as peças de trabalho são desconstruídas e reinterpretadas, quer na sua forma quer no seu conceito", ao abrigo da imagem da marca, como "os desfiados e detalhes nas costuras, aplicações e a sugestão de peças inseridas noutras". A estação quente privilegia "o linho, o algodão, a seda, o impermeável e o denim em duas cores, estabelecendo assim uma ponte entre o clássico e o contemporâneo, o passado e o hoje, com uma paleta de cores que remete para os tons das vestes destes homens e mulheres do mar", como o preto, azul cobalto, azul seco, cor-de-laranja e tons terra.
Alexandra Moura | Gadidae SS20
Alexandra Moura | Gadidae SS20
E depois de atualizar o guarda-roupa estival com as peças às quais não vai conseguir resistir, vale a pena expandir a coleção AM no guarda-roupa lá de casa com Nu mistura, a estação fria da marca. "Traduz-se como 'nós misturamos', implica ação do verbo 'misturar' conjugado na 1ª pessoa do plural", explica, acrescentando que "foi inspirada nos bairros sociais da grande Lisboa. Estes são o resultado da mistura cultural de quem veio de África na década de 70 e da sua adaptação a uma cultura diferente tendo sempre presente as suas raízes. Dos avós que vieram aos filhos e netos que já cá nasceram, as gerações cruzam-se com orgulho da sua cultura, do seu sentido estético e da forma de se afirmarem numa sociedade que os marginaliza à partida. A colecção trabalha os opostos, desde o underground com misturas étnicas, ao hip hop com as influências africanas. O clássico de uma geração antiga contrapõe com o streetwear da nova geração, da cultura e costumes tradicionais à nova arte de rua, criando uma silhueta 'retro' e contemporânea", traduzindo assim esta ideia em detalhes que parecem ser de peças que passaram de uns para os outros, reajustando-se a uma nova silhueta e reinvendado-se, consequentemente, em novas formas e diferentes pormenores. "As paredes com tags, grafitadas e cheias de pósteres sobrepostos e rasgados, são o mote para a manipulação dos tecidos e para os padrões da coleção onde os tags falam desta cultura sub-urbana", remata.
As duas coleções são, em todas as suas diferenças e semelhanças, representativas do cartão de visita Alexandra Moura, patente mesmo antes de olhar para a etiqueta da peça. Não é de estranhar: a marca sempre primou por ser fiel ao seu traço, ainda que este tenha evoluído, mas acima de tudo, crescido a par e passo com o desenvolvimento da empresa ao longo dos anos. É por isso que o todo e não as partes refletem a visão Alexandra Moura. O que não quer dizer que, se pressionada, a criadora não tentasse apontar uma peça que fosse espelho do seu ADN - e foi por isso que exercemos a pressão: "são muitas as peças que me representam, é-me extremamente difícil este tipo de escolha, mas posso apontar um coordenado que fala muito sobre mim, do meu processo criativo e daquilo que sou enquanto marca. É um coordenado com o nosso ADN muito vincado, é composto por uma blusa, saia e um trench coat. São peças em que cada uma tem uma história, histórias essa que falam sobre um conceito muito pessoal."
O ADN de Alexandra Moura num coordenado.
O ADN de Alexandra Moura num coordenado.
E esse conceito muito pessoal ganha nova dimensão quando chega às mãos do consumidor final. É que o design de Alexandra Moura não se esgota num charriot, antes se completa com a intervenção criativa de quem o veste - muito à semelhança da ideia por detrás de Nu Mistura, curiosamente. Nas imagens que se multiplicam pelas redes sociais, é no street style que a criadora encontra a promoção mais orgânica, com cada peça a ser usada de mil e uma formas - como, por exemplo, um dos seus puffer jackets, uma parceria com a portuguesa Duffy (lá está, Moura gosta dos projetos com aliados que fazem sentido - não é à toa que faz parte da lista de designers no nosso Project: Union), que houve quem usasse as mangas destacáveis como perneiras. E, nestas interpretações tão pessoais, Alexandra encontra o propósito máximo do seu métier - pelo menos para a própria: a partilha. Do produto, do design, da criatividade. A peça deixa de ser Alexandra Moura para passar a ser o Alexandra Moura daquele consumidor. Meu. Seu. Único.
Não é à toa que, quando lhe perguntamos que slogan teria a marca, nos responde "Com amor". Ao que nós retorquimos: é recíproco.
PS: para colecionar Alexandra Moura (e "colecionar" é o verbo mais correto a empregar), a marca está disponível online em alexandramoura.com e ao vivo no atelier da criadora, em Lisboa, na Rua de Xabregas, 20 - 2.13 (com uma chamada prévia para o +351 210 990 712, claro).
Alexandra Moura | GQ Portugal for Her, março 2016.
Alexandra Moura | GQ Portugal for Her, março 2016.
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