Tendências  

Who let the baby bump out?

22 May 2024
By Ana Murcho

Fotografia © Getty Images | Artwork de Miguel Canhoto

Depois de anos escondida debaixo de camadas e camadas de roupa, a barriga de grávida assume, finalmente, o papel de protagonista. Que seja uma tendência para durar muito mais que nove meses.

É um fait-divers repetido até à exaustão, mas que tem o seu quê de interessante tendo em conta os protagonistas: Grace Kelly e Hermès. Em 1956, a então princesa do Monáco serviu-se da sua carteira, que por acaso era da conhecida maison parisiense, para tentar disfarçar a sua gravidez perante os paparazzi que a perseguiam. As fotografias desse instante deram a volta ao mundo — afinal, aquele seria o primeiro filho (acabou por ser uma menina, Carolina) da eterna musa de Hitchcock, que o Principado recebeu de braços abertos. A partir daí, a popularidade do Sac à Dépêches disparou e, em 1977, acabou por ser oficialmente renomeado Kelly, em homenagem a Grace. O que é que isto tem a ver com o tema que aqui nos traz? Tudo. Se até há bem pouco tempo a gravidez era uma coisa que se escondia — vale lembrar que estamos a falar de celebridades, o comum mortal, felizmente, lida com esse “problema” de uma forma bem menos dramática —, por forma a não chocar o público (eis algo que nunca vamos entender), desiludir os fãs (idem), ou perder contratos de publicidade (o corpo muda, logo, tudo muda), nos últimos anos temos assistido ao fenómeno inverso. Do alto das suas maravilhosas barrigas em constante crescimento, várias mulheres, de Rihanna a Cardi B, começaram a “gritar” palavras de ordem que há muito precisavam de ser ouvidas: “Estou grávida. Já viram como estou incrível?”

Não existe uma razão específica para esta mudança de paradigma. Trata-se de um fenómeno complexo, alimentado por uma confluência de fatores, alguns relacionados com a própria cultura das celebridades, e outros ligados às expectativas sociais em relação à maternidade. Basta lembrar a loucura que rodeou a divulgação das fotografias que serviram de anúncio à primeira gravidez da cantora de Diamonds, que rapidamente se transformou em “mother” (há um artigo sobre isso nesta edição) de meio planeta. Isto seria impossível sem a ascensão das redes sociais, por um lado, e a procura constante de conteúdos, por outro, que criaram uma cultura em que se espera que os famosos partilhem cada vez mais detalhes das suas vidas pessoais — alimentando o ciclo e incentivando outros famosos a participar. Além disso, deu-se uma mudança na forma como estas personalidades gerem a sua fama. Se, antes, estas eram aconselhadas a manter uma gravidez em segredo até fases posteriores, atualmente, algumas delas encaram a gravidez como uma forma de se ligarem aos fãs a um nível mais pessoal, humanizando a sua imagem e, claro, gerando imprensa positiva. Dito de outra forma, há quem encare esse estado de graça como uma oportunidade de promoção da sua própria persona/marca — afinal, partilhar conteúdos patrocinados pode ser (muito) lucrativo. Mas nem tudo é estratégia de marketing nesta nova forma de comunicar a chegada de um bebé. Há um argumento que não pode ser ignorado: o facto de estarmos a ter cada vez mais interesse nas baby bumps das celebridades — e, invariavelmente, no seu estilo durante nove meses —, normalizando uma das fases da vida mais bonitas da vida de uma mulher, ajuda a normalizar, por sua vez, todas as gravidezes, mesmo as de não famosas, e contraria as representações irrealistas dos corpos perfeitos pós-parto. Jessie J, Kim Kardashian, Sienna Miller, Cardi B, Adriana Lima... todas elas mostraram que é possível ostentar um fabuloso “barrigão” e manter o nível de glamour que se espera de uma diva.

“Nenhum anúncio de gravidez em palco será melhor do que o de Beyoncé, ao revelar que estava grávida nos VMA de 2011.” É mais ou menos isto que defendem vários tweets de fervorosos fãs cujo fascínio pela cantora de Run the World se estende à forma como contou ao mundo que ia ser mãe: durante uma atuação nos prémios MTV de 2011, vestida com um maravilhoso smoking de lantejoulas, que estrategicamente desabotoou para mostrar, orgulhosa, a sua barriga. Essa decisão marcou de forma indelével o tipo de discurso entre as celebridades e o público, nomeadamente no que diz respeito ao controlo de informação das suas vidas privadas. Com a surpresa durante aquela performance de Love on Top, escrevia o The Guardian em 2021, “Beyoncé normalizou a revelação da gravidez para as celebridades. Katy Perry anunciou a sua no vídeo de Daisies, vestida de branco, filmado num estilo home-movie. Outras, como Nicki Minaj e Grimes, postaram [fotografias] no Instagram em poses que evocam a capa da Vanity Fair de Demi Moore em 1991. Aquele nu, tirado por Annie Leibovitz, foi, tal como o momento de Beyoncé, uma porta aberta para que outras a atravessassem.” Quando foi publicada, a imagem chocou uma sociedade que ainda via o corpo feminino como algo sagrado (logo, pecaminoso), que deveria ser tapado a todo o custo, mais ainda num momento tão especial como a gravidez. Moore não entendeu as coisas assim, e encarou o convite como forma de empoderamento — e também para mostrar que existe beleza, e força, em todas as fases da vida de uma mulher. A sua coragem ainda hoje é mencionada, até porque Serena Williams fez, em 2017, uma capa muito semelhante para a mesma publicação.

Por detrás da lente estava, uma vez mais, Annie Leibovitz. Só que desta vez ouviram-se aplausos e não críticas: “Serena Williams despe-se para uma capa da Vanity Fair instantaneamente icónica”, lia-se num site de entretenimento. Nesse mesmo ano, Beyoncé voltou a divulgar o seu estado de graça de forma pouco convencional. Porém, com as revelações de infidelidade que se subentendiam do seu álbum Lemonade, a cantora escolheu um caminho mais subtil, e preferiu divulgar uma série de retratos em que surgia com um véu, coberta de flores, como uma espécie de Madonna do Renascimento. Seja qual forma a forma de comunicar a boa nova, este é definitivamente o novo modelo a seguir. Mais de 50 anos depois de Rosemary’s Baby, onde a personagem de Mia Farrow carregava “a semente do diabo” na barriga, a cultura popular aprendeu que estigmatizar a gravidez é um erro. Não há nenhum motivo para não a celebrar, fotografar e exibir. Afinal de contas, ela deveria ser encarada como um objeto de admiração e desejo.

Artigo publicado originalmente no The Mother Nature Issue da Vogue Portugal, de maio de 2024, e disponível aqui.

Ana Murcho By Ana Murcho
All articles

Relacionados


Atualidade  

Rihanna e A$AP Rocky revelam as primeiras fotografias do seu filho Riot Rose

19 Sep 2023

Opinião  

Got Milk?

18 May 2024

Opinião   Editorial  

Editorial | Mother Nature, de maio 2024

05 May 2024

Tendências  

Sofia Richie Grainge fala sobre as imperfeições da pele na gravidez e de como encontra inspirações de beleza no TikTok

22 Mar 2024