No seu novo álbum, Beyoncé dá-nos tudo o que precisávamos de música pós-pandemia, inspirando-se fortemente na cultura queer.
No seu novo álbum, Beyoncé dá-nos tudo o que precisávamos de música pós-pandemia, inspirando-se fortemente na cultura queer.
Quando Beyoncé anunciou o seu single, Break My Soul, no princípio do mês de julho, o mundo perdeu a cabeça. Ao contrário dos seus últimos três álbuns, a artista anunciou o álbum antes de o lançar. Através de uma entrevista com a Vogue britânica, a artista deu-nos as primeiras pistas do que podíamos esperar de Renaissance. Depois, à medida que mais informações foram reveladas, como a forte presença de Honey Dijon, apercebemo-nos lentamente da gravidade que teria, confirmada com o lançamento do single, através de uma sample da canção Show Me Love. O álbum consegue, mesmo assim, exceder as expectativas com as quais aguardávamos a sua chegada. É uma homenagem ao renascimento do mundo, à alegria de dançar e, acima de tudo, à cultura queer.
“These motherfuckers ain’t stopping me.” Assim se inicia a jornada alucinante que é Renaissance, com I’m That Girl, a primeira canção do novo álbum de Beyoncé. Um ritmo forte é acompanhado pela voz da vocalista que se anuncia lentamente, primeiro como um fôlego, mas que progressivamente se assemelha a um rugido. Seguem-se Alien Superstar e Cozy, dois hinos de autoconfiança, um tema que, ainda que seja central nestas canções, permeia o resto de Renaissance. Cuff It é assumidamente a canção de amor, e também a canção mais pop de um disco que se apoia tão fortemente no estilo dance. É também, devo admitir, a minha música favorita, lembra-me de algo que poderia ter estado no seu quarto álbum, apropriadamente chamado de 4. Manifestamente bem disposta, a canção tem a presença forte de instrumentos de sopro, uma das características demarcadas de Beyoncé. Mas a artista não nos deixa repousar na euforia amorosa, introduzindo imediatamente o ritmo distintivo de Energy. A canção conta com a participação de Beam, um rapper americano de origem jamaicana, e tem uma inspiração muito forte em afrobeats, uma influência que se sente também em Move.
Church Girl é o contributo da Queen Bey para os rótulos criados online de hot girls, icy girls, city girls, etc. Mas, entre tantas opções, Beyoncé faz-nos estranhamente querer ser uma church girl, descrevendo-a como uma pessoa que, ainda que se queira divertir, não quer fazer mal a ninguém, uma abordagem bem mais tranquila às suas antecessoras. Ainda que o álbum seja assumidamente bem-disposto, alegre, não deixa de partilhar comentários políticos importantes, com letras como “Voting out 45, don’t get outta line”, ou “I just entered the country with derringers / ‘cause them Karens just turned into terrorists.” A piéce de resistance é claramente Summer Renaissance. Um sample de I Feel Love de Donna Summer inunda a canção de forma tal que, por vezes, parece simplesmente um cover. Beyoncé não permite que esta confusão dure, à medida que a sua característica voz nos acompanha na mesma viagem hipnotizante do clássico de 1977. Transporta-nos para uma qualquer discoteca, naquele momento das noites de verão onde nos perdemos a nossa individualidade, abraçando em vez a identidade da multidão que nos rodeia, movendo-nos como um. É, sem sombra de dúvidas, o clímax de um álbum que se dedica ao dance.
Renaissance é tudo o que Beyoncé nos prometeu, um conjunto de 16 músicas que nos fazem querer sair de casa e ir dançar no meio das multidões, algo impossível de se fazer nos últimos dois anos (pelo menos de consciência tranquila). As homenagens a músicas dos anos 70 e 90 não são coincidência, não fosse Beyoncé o génio criativo que se provou ser ao longo dos seus 25 anos de carreira. A artista americana faz referências frequentes ao disco e ao nascimento do dance, como forma de extrapolar a alegria feroz destes géneros musicais. Mas mesmo assim, experimentando estilos que ainda lhe são novos, a Queen Bey não perde a sua identidade. Esta nova versão da Beyoncé é extremamente orgânica, incorporando-se na sua discografia anterior, com uma influência forte dos seus projetos mais recentes, em particular The Gift, desenvolvido para o remake de O Rei Leão de 2019. A influência de afrobeats é sentida um pouco por todo o álbum mesmo quando outros pontos de referências musicais são utilizados.
Não podíamos deixar de mencionar a forte inspiração na voguing scene, sentida imediatamente no single do álbum, Break My Soul, distinta imediatamente pelo seu ritmo, acompanhado pela voz de Big Freedia, um ícone da cultura queer. Sente-se também em Pure/Honey, o clímax desta inspiração de certa forma. Com a produção de Honey Dijon, Beyoncé mergulha em música explicitamente queer. Este facto é assumido pela artista, declarando este como uma homenagem à club scene e, acima de tudo, ao seu tio que morreu devido a complicações com o vírus do HIV. Segundo Beyoncé, este foi responsável por lhe apresentar a cultura queer, uma parte essencial da sua educação musical de acordo com a mesma. Este tributo não se sente apenas nas influências musicais, os próprios temas são assumidamente baseados na cultura e linguagem da comunidade LGBTQIA+. Beyoncé, em metamorfose constante, apresenta-nos novamente uma versão de si mesma que é, de alguma forma, melhor do que a anterior. Renaissance é precisamente aquilo que Beyoncé nos prometeu, é uma celebração da vida livre de discriminação, ódio ou medo. É um espaço seguro para nos sentirmos confiantes, para celebrar a vida pós-pandemia, para sentirmos o êxtase do retorno à pista de dança.
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