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Se as paredes falassem

25 Jun 2020
By Mónica Bozinoski

Quando o único espaço que temos é aquele que existe entre elas, o que é que as nossas divisórias diriam sobre as nossas vidas sexuais?

Quando o único espaço que temos é aquele que existe entre elas, o que é que as nossas divisórias diriam sobre as nossas vidas sexuais?

@Peter Zander/Getty Images
@Peter Zander/Getty Images

Por estes dias, é quase impossível encontrar alguém que não esteja a sentir os efeitos (colaterais) da quarentena. Do trabalho à distância ao encerramento de salas de cinema e restaurantes, dos miúdos a estudar em casa ao simples ato de ir ao supermercado, tudo nas nossas vidas mudou – incluindo a nossa sexualidade e intimidade. “O atual estado da nossa realidade, nomeadamente a quarentena e o distanciamento social (algo que se vai manter a médio prazo, até surgir uma resposta eficaz de tratamento e vacinação), tem sem dúvida um impacto na sexualidade e nos níveis de intimidade das pessoas em geral”, começa por explicar Cátia Oliveira, psicóloga clínica, terapeuta sexual e investigadora do SexLab. “Os níveis de ansiedade e instabilidade no humor associados a diferentes desafios, como as mudanças ao nível profissional, a insegurança ao nível económico, as mudanças da rotina diária, o medo de contaminar ou ser contaminado pelo vírus, a diminuição do contacto social e isolamento, a sensação de insegurança e indefinição face ao futuro, são apenas alguns dos desafios transversais a todos nós.” Desafios esses que, esclarece Cátia, “podem estar na base de dificuldades sentidas, como menores níveis de desejo, maior discrepância no casal relativamente a esta ou outras áreas de funcionamento sexual, maior instabilidade relacional e maiores dificuldades na comunicação ao nível da intimidade.”

Com casais e solteiros a navegarem por águas desconhecidas, são várias as instituições que têm vindo a investigar o estado da vida sexual e íntima, em tempos de pandemia. “Estamos a conduzir um estudo longitudinal para explorar o impacto que as restrições sociais, fruto da COVID-19, têm na vida íntima das pessoas”, partilha Justin Lehmiller, Ph.D., investigador do The Kinsey Institute e autor do livro Tell Me What You Want, em entrevista à Vogue. Os dados, revela, começaram a ser recolhidos pela equipa de investigadores do instituto, em meados de março, quando as normas de distanciamento social foram reforçadas em todo o mundo e, desde então, a cada duas semanas, a equipa tem feito um follow-up com os participantes. “Mais de 1.500 pessoas participaram na primeira fase do estudo, e a nossa análise inicial revelou alguns pontos interessantes”, diz Lehmiller. “Primeiro, as pessoas estão a reportar um impacto amplamente negativo nas suas vidas sexuais e românticas, a par com uma menor frequência no que diz respeito ao sexo e à masturbação. Isto sugere que o ‘baby boom’ associado ao novo coronavírus sobre o qual tanto temos ouvido falar nos media, provavelmente não irá acontecer. No entanto, também observámos que as pessoas estão a incorporar mais novidade nas suas vidas sexuais. Cerca de um emcada cinco participantes reportou ter acrescentado pelo menos uma nova atividade no seu reportório sexual. Commumente, estamos a falar de coisas como sexting, enviar nudes, experimentar novas posições sexuais e locais, e partilhar fantasias sexuais. Por isso, apesar da menor atividade sexual, existe mais diversidade nos atos em que as pessoas estão a participar.”

“O atual estado da nossa realidade, nomeadamente a quarentena e o distanciamento social, tem sem dúvida um impacto na sexualidade e nos níveis de intimidade das pessoas em geral.”

Essa mesma necessidade de novidade e excitamento, que não desapareceu com o distanciamento social, é um dos fatores que pode ajudar a explicar o aumento significativo de vendas de brinquedos sexuais, experienciado por diversas marcas de sex toys desde o início do surto. “Pode existir uma necessidade de quebrar a rotina, de quebrar este pessimismo e medo”, defende a sexóloga Vânia Beliz. “Brincar, também na intimidade, tem essa função de aliviar a tensão e conquistar o prazer.” No caso da Lelo, uma marca sueca brinquedos sexuais, os números traduzem-se num aumento de 48% no que diz respeito ao tráfego do site, e um crescimento de 56% a nível de vendas. “É interessante observar a correlação entre o tráfego da Lelo e a disseminação das regras de quarentena”, diz Stuart Nugent, brand manager da marca. “As estatísticas são encorajadoras, e sugerem que as pessoas estão a encontrar formas, no foro íntimo, para aliviar o stress e a pressão de uma quarenta imposta. É igualmente animador ver que a divisão de género dos nossos consumidores se manteve constante: 52% identificam-se como mulheres e 48% como homens, o que indica que os casais continuam a comprar juntos, tanto quanto faziam antes do surto.” Apesar de tudo, Nugent não deixa de fazer a ressalva: “Isto coloca-nos numa posição moral complexa, e não olhamos para ela com leviandade. Por um lado, temos muito orgulho por estar a injetar um pouco de prazer e cor na vida das pessoas, numa altura em que elas mais precisam. Por outro, é um pouco desconfortável estarmos tão bem em tempos tão trágicos e preocupantes. Como tal, tomámos medidas para garantir que continuamos justos e orientados para o público, através de vários descontos e das ligações de cariz solidário que temos, bem como da manutenção da saúde e da segurança das nossas equipas, em Portugal e em todo o mundo.”

“É difícil sentir um desejo de sexo quando a tua mente não te permite estar concentrada naquilo que te excita. Para além disso, quando e se tiveres relações sexuais, também pode ser mais difícil manter a excitação, visto que a tua atenção está a ser puxada para outro sítio.”

Numa altura em que a saúde, a segurança e o distanciamento social são absolutamente prioritários, o Departamento de Saúde de Nova Iorque não hesitou em deixar o apelo – “tu és o teu parceiro sexual mais seguro” – e encorajar os cidadãos a olharem para a masturbação como uma forma segura de experienciar o prazer. Não só segura, mas também benéfica. “A sua prática encontra-se associada a maiores níveis de saúde, qualidade e satisfação com a vida sexual, promovendo um maior autoconhecimento e conforto com o corpo e resposta sexual”, diz Cátia Oliveira sobre aquela que é uma das muitas formas de viver a sexualidade, quer individualmente, quer com um parceiro. “Nesta fase pode ser uma estratégia muito útil na manutenção do desejo e da satisfação sexual, principalmente junto das pessoas que estejam impedidas de viver relações mais pontuais, ou para os casais que correm maiores riscos de contaminação. A sua prática pode ainda contribuir para uma sensação de bem-estar geral e por isso ajudar a lidar com emoções negativas e ansiedade.” Apesar de considerar a masturbação uma forma de descoberta e de prazer para quem mantém esse desejo, Vânia Beliz não deixa de olhar para a situação inversa. “Parece haver uma pressão para termos sexo, para sermos produtivos, para continuarmos a fazer tudo... Não há qualquer problema se durante esta fase não acontecer”, sublinha a sexóloga. “Isso não significa que estejamos menos apaixonados ou interessados. Esta pressão pode resultar em frustração e muita ansiedade.” Como explica Justin Lehmiller, “para muitas pessoas, o stress e a ansiedade tendem a ter um efeito negativo no desejo sexual”. “É difícil sentir um desejo de sexo quando a tua mente não te permite estar concentrada naquilo que te excita. Para além disso, quando e se tiveres relações sexuais, também pode ser mais difícil manter a excitação, visto que a tua atenção está a ser puxada para outro sítio.” Tradução? Não contem com um quarantine baby boom nos próximos meses. “Acho que é uma mera especulação e algo que só vamos poder avaliar no futuro”, defende Cátia Oliveira, cuja opinião é partilhada tanto por Justin Lehmiller como por Vânia Beliz. “Acredito que exista uma frequência sexual mais baixa e, perante tantas incertezas económicas, não creio que as pessoas sintam desejo de aumentar a família”, diz a sexóloga.

“Potencialmente, e de muitas formas, esta situação incomum pode ter efeitos duradouros que acabam por melhorar as nossas vidas sexuais e amorosas.”

Apesar de os quarantine babies estarem fora da equação, a incerteza desta situação continua a ser tão real hoje como era ontem. Ainda assim, acredita Cátia Oliveira, é possível utilizarmos este tempo para melhorar a nossa sexualidade e intimidade, tanto com um parceiro como individualmente. “Numa era onde a sexualidade se tem vivido de forma redutora e com padrões de exigência irrealistas, este é um bom momento para se investir no erotismo, na diversificação dos comportamentos sexuais, no aprofundamento da comunicação com o outro, bem como num aprofundamento dos níveis de autoconhecimento e redefinição de como desejamos viver a nossa sexualidade e intimidade”, defende. Na opinião de Stuart Nugent, brand manager da Lelo, “se existir algo de bom a emergir destas circunstâncias difíceis, é a oportunidade de voltarmos a conectar connosco, e com os nossos parceiros”, algo que Vânia Beliz também considera ser essencial. “Há quanto tempo não partilhávamos com quem estamos tanto tempo?”, questiona a sexóloga. “É importante dialogar, falar sobre emoções. É normal que o nosso humor se altere e é bom que possamos pedir apoio se precisarmos. É importante estar atento ao outro, principalmente aos homens que têm maior dificuldade em expor o que sentem. Não sabemos as consequências que tudo isto vai trazer para as nossas vidas. O importante é que estejamos seguros de fazer este caminho com alguém que nos apoia e suporta, é isto o melhor das relações.” No meio de tudo isto, quem também vê as potenciais oportunidades é Justin Lehmiller. “Algumas pessoas solteiras partilharam comigo que, fruto desta situação, descobriram alguma coisa nova sobre si mesmas, como a ideia de que não precisam de uma relação tanto quando acreditavam. Aprenderam que são muito mais auto-suficientes do que aquilo que pensavam”, explica o investigador e autor, referindo ainda o exemplo de casais cuja vida sexual ou a relação melhorou desde o início da pandemia. “Alguns têm usado isto como uma oportunidade para desenvolver uma nova intimidade, para se ligarem de novo, para se voltarem a conhecer. Outros têm explorado os seus corpos ou as fantasias sexuais que tinham há muito tempo. Também ouvi testemunhos de casais que estavam a considerar a separação ou o divórcio antes disto, e que agora se reconciliaram, porque a pandemia alterou as suas prioridades e fez com que percebessem aquilo que é realmente importante nas suas vidas. Potencialmente, e de muitas formas, esta situação incomum pode ter efeitos duradouros que acabam por melhorar as nossas vidas sexuais e amorosas.”

Mónica Bozinoski By Mónica Bozinoski

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