Double cleansing, essências, tónicos, séruns, cremes hidratantes, óleos, gua shas e jade rollers. Estará o nosso amor pela beleza a fazer-nos chegar ao limite – e poderá o skin fasting ser a resposta para toda esse frenesim?
Double cleansing, essências, tónicos, séruns, cremes hidratantes, óleos, gua shas e jade rollers. Estará o nosso amor pela beleza a fazer-nos chegar ao limite – e poderá o skin fasting ser a resposta para toda esse frenesim?
©Fotografia de Mattia Balsamini
©Fotografia de Mattia Balsamini
Era uma vez uma rotina de cuidados de rosto com dez passos. Desmaquilhar os olhos com um produto específico. Lavar o rosto duas vezes, com duas texturas distintas, eliminando todos os vestígios de maquilhagem, toxinas, e impurezas. Esfoliar, sobrepor um tónico e seguir com uma essência. Aplicar um sérum ou uma ampola, praticar o #selfcare com uma sheet mask, cuidar do contorno de olhos com um creme específico e hidratar a pele com um creme, gel ou óleo facial. E nunca, mas nunca, negligenciar o protetor solar. Fora dos contos de fadas e dos romances (mais ou menos) arrebatadores, e em grande parte influenciada pela K-beauty, esta extensiva rotina de cuidados de rosto transformou-se numa realidade para muitas de nós. Se lhe acrescentarmos a craze dos gadgets com luzes e programas de massagens, o boom das tools de beleza e os mais complexos tratamentos para as mais diversas zonas do rosto, é provável que o fantasma de Carrie Bradshaw apareça no espelho enquanto finalizamos o décimo passo. “I couldn’t help but wonder: no que toca às nossas rotinas de cuidados de rosto, será que mais é mesmo mais?”
Com a sustentabilidade na ordem do dia, e a pressão de ter as últimas novidades alinhadas numa shelfie a tornar-se cada vez mais esmagadora, algumas pessoas começaram a adotar uma abordagem mais skinimalist, questionando os seus hábitos de consumo e a necessidade de uma rotina tão complexa. Algumas encontraram a solução no no-buy beauty, um movimento que encoraja a cortar nos produtos não-essenciais e a não comprar nada de novo durante um determinado período de tempo. Outras apostaram no skip-care, um método que elimina os excessos do ritual de beleza e favorece a utilização de produtos com múltiplos benefícios para a pele, procurando estabelecer uma rotina em que não precisa de sobrepor diversos cuidados de rosto para conseguir os resultados que pretende.
Entre não comprar, reduzir e repensar, o minimalismo começou a dar frutos: em agosto de 2019, estatísticas do grupo Mintel mostravam que 28% das mulheres no Reino Unido tinham reduzido o número de produtos nas suas rotinas, com 54% das millennials entre os 20 e os 29 anos a confirmarem uma maior simplificação. A passos largos, a ideia de voltarmos ao método de limpar, hidratar e proteger deixava de ser estranha, louca, bizarra – e quando o vírus que mudou as nossas vidas nos fechou em casa, alterando prioridades e perceções, algumas vozes começaram a questionar se seria uma loucura assim tão grande fazer uma pausa e abraçar o conceito de skin fasting.
O 101 do skin fasting
Corria o ano de 2011 quando a marca de skincare japonesa Mirai Clinical apresentou ao mundo o termo skin fasting. Muito simplesmente, este jejum implica uma pausa na rotina de cuidados de rosto durante um determinado período de tempo – e apesar de não existir nenhuma evidência científica para apoiar a ideia, a teoria que se foi popularizando é a de que o skin fasting oferece à pele a oportunidade de se reparar e se rejuvenescer a si mesma, ao invés de depender de uma série de produtos para isso. Os ditos benefícios não ficam por aqui: ao deixar de aplicar produtos no rosto, a pele é capaz de normalizar e regular a sua própria barreira protetora (que muitos acreditam ser enfraquecida pela aplicação excessiva de produtos) e fazer um reset completo. Mas da teoria à prática vai um longo caminho.
“É aqui que temos de ser um pouco mais específicas”, começa por explicar Olena Beley, uma skin coach cuja abordagem ao skincare exclui tudo o que sejam mitos, medicamentos, dietas e expensive/dumb stuff, à Vogue. “Ninguém diz exatamente o que o skin fasting é, porque depende de pessoa para pessoa. É fazeres uma pausa na aplicação dos teus produtos, mas pode ser só de um produto durante um determinado período de tempo, ou de toda a tua rotina de skincare.”
Em tempos, e numa altura em que era mais experimental com os seus cuidados de rosto (“Era quase como atirar esparguete à parede e ver o que colava, sabes?”), Olena deu a pele ao manifesto e fez uma pausa completa na rotina. “Passei por essa fase na minha vida, em que literalmente só usava água na minha pele, só água. E isso nem sequer é bem um fast completo. Se estivéssemos a fazer um jejum completo, é provável que não fizéssemos nada. Mas se estivéssemos num jejum total e não fizéssemos nada, já entraríamos no território do caveman regimen [um regime no qual não se lava o rosto, de todo, e não se aplica qualquer produto na pele]”, diz a skin coach.
“A minha opinião sobre isto é: a menos que vivas num vácuo, onde não existe nada, e a menos que a tua pele seja de alguma forma plástica, e não esteja viva, isto não faz sentido nenhum. Porque a nossa pele está viva, está sempre a renovar, a criar o seu próprio sebo. Quando estamos lá fora, no mundo, a nossa pele tem de enfrentar a poluição e os efeitos do sol. A nossa pele tem de enfrentar tanta coisa que decidirmos fazer um jejum completo... Eu não faria isso à minha pele, e não o recomendaria a ninguém, honestamente. É um pesadelo!”
Quando confesso a Olena que seria incapaz de eliminar todos os produtos da minha rotina de cuidados de rosto, a skin coach explica que ponderar um skincare fasting depende, em grande parte, de dois mitos sobre a pele. “O primeiro é as pessoas pensarem que a pele se pode habituar aos produtos de skincare, e que estes deixam magicamente de funcionar. Isto não é verdade. A nossa pele está constantemente a regenerar. A tua pele não é a mesma que era há quatro semanas”, esclarece. “A tua pele está viva e está sempre a trabalhar para ti, a proteger-te e a regenerar, ao mesmo tempo que lida com as circunstâncias do exterior – e isso inclui os produtos que aplicas. Por isso, se a tua pele está viva e está a lidar com os teus produtos, os teus produtos nunca vão deixar de funcionar, especialmente quando estamos a falar em ativos, que são os produtos que realmente funcionam. Podes usar os mesmos produtos durante dez anos e eles vão funcionar.”
E o segundo mito? “Muitas pessoas pensam que a pele é um órgão de desintoxicação, ou que se desintoxica, ou que precisa de tempo para desintoxicar. Eu gosto de dizer que a tua pele não é o teu traseiro, isto é, nós desintoxicamos através dos rins e do fígado, e é aí que a maior parte das toxinas são eliminadas. Dar uma pausa à nossa pele para fazer um detox? De quê? Ela não guarda toxinas, não agarra nada nos poros, não é assim que funciona. Se acabarmos com estes mitos, começamos a pensar, ‘Espera. Será que preciso mesmo de um fast? Será que isso faz sentido?’”
Tirar aqui, melhorar ali
Apesar de fazer uma pausa total na rotina ser um no no para Olena, a especialista não esconde que eliminar alguns produtos pode trazer os seus benefícios. “Penso que muitas pessoas têm vindo a exagerar com os ativos, porque existem muitas marcas novas a dizer, ‘Aqui está um bocado de retinol, e aqui estão alguns ácidos, e aqui está mais uma série de vitaminas.’ Muitas pessoas acabam por sobrepor demasiados produtos deste género, e acabam por irritar imenso a pele, inflamando-a ainda mais.”
Na opinião da skin coach, a ideia do skin fasting acaba por surgir quando se atinge um extremo – neste caso, o extremo de fazer demasiado na hora de cuidar da pele – e se decide “atingir o outro extremo de não fazer nada, ou de fazer muito, muito, muito menos”. É possível que navegar de uma margem para a outra tenha efeitos indesejados? “Na verdade, não. Se estiveres a fazer demasiado, agora é a altura perfeita para fazer uma pausa”, clarifica Olena, referindo que os sinais mais frequentes disso mesmo são a desidratação, a vermelhidão e a escamação.
“Os efeitos secundários não são inerentes aos cuidados de rosto, isso é um sinal de que algo não está bem. A pele é um órgão, não podemos tratá-la de forma aleatória e dizer, ‘Tenho tudo aqui, não fiz qualquer tipo de pesquisa, não sei que quantidade devo aplicar, não sei como utilizar o meu hidratante, ou talvez não devesse hidratar a pele de todo.’ Isto pode criar um problema muito grande”, defende, referindo a importância de não eliminar a limpeza gentil da pele, a hidratação e a proteção solar da rotina de cuidados de rosto.
Em vez disso, Olena recomenda que o fasting seja mais focado nos “ativos” – isto é, nos ingredientes que servem uma função particular, como o ácido salicílico, conhecido por descongestionar os poros, ou os retinoides, reconhecidos pela sua ação anti-idade. Como explica a skin coach, é neste passo que as pessoas tendem a exagerar. “A maior parte das pessoas não faz ideia do quão sensível a sua pele é até usarem skincare que não é adequado por demasiado tempo. É aí que dizem, ‘Oh, passa-se algo de errado com a minha pele. Deve ser das minhas hormonas ou a minha dieta’, mas a verdade é que andaram a exagerar naquele passo”, esclarece. “É muito importante ouvirmos a nossa pele e ajustarmo-nos aos ativos com calma. Muitas pessoas pensam que mais é mais com os cuidados de rosto, mas na verdade é o oposto, menos é mais. Temos de treinar a nossa pele a ajustar-se a novos ingredientes.”
No meio está a virtude
Dos mitos sobre a pele às recomendações no YouTube e às shelfies na Internet, Olena não esconde a importância de ouvirmos a nossa pele, de conhecermos a nossa pele, de sabermos o que é melhor para a nossa pele – um território que também vem com a capacidade de distinguir a boa informação da má informação, de questionar se aquilo que está à nossa frente é um mito, uma tendência ou algo que realmente funciona.
“Penso que muitas de nós têm uma autoestima muito mais baixa do que imaginamos, e aquilo que acaba por acontecer é que paramos de confiar na nossa própria intuição, no nosso senso comum, até. Vemos alguém que tem mais seguidores do que nós, ou que tem algum tipo de rótulo ou certificação antes do nome, e pensamos, ‘Eu achava que estava a fazer tudo bem, mas esta pessoa diz que outra coisa é verdade’”, diz a especialista. “Começamos a duvidar daquilo que estávamos a fazer e a pensar, ‘Se calhar preciso de uma rotina K-beauty com 17 passos, ou de um jade roller, ou de um skin fasting. Oh, esta pessoa está num skin fasting, eu também devo estar num skin fast.’ Esquecemo-nos de pensar de forma crítica, de pensar por nós mesmos, de usar o nosso senso comum para cuidar de nós da melhor forma que sabemos.”
E apesar de a pele ser um órgão que todos temos em comum, é fundamental perceber que todos somos diferentes – e que o conto de fadas de uns pode ser a história de terror de outros. “Penso que as pessoas com pele com tendência acneica provavelmente não deviam fazer um fast. Elas precisam mesmo de limpeza, é muito importante, mas com um produto que seja gentil, não quero dizer uma limpeza excessiva”, esclarece Olena, referindo a importância do contexto e das nuances quando falamos em cuidados de rosto. “A pele com tendência acneica beneficia de uma esfoliação química regular. Se queremos evitar a obstrução dos poros, controlá-la, ou preveni-la, é importante mantermos uma rotina com alguns ativos. Seja ela qual for, é importante que estas pessoas não façam um fast.”
Por outro lado, e na opinião da skin coach, “pessoas com as rotinas mais caras beneficiariam de um fasting.” “Trabalhei com uma cliente que tinha uma rotina de centenas de dólares, e os produtos dela estavam carregados de óleos e manteigas. Sim, tinham alguns ativos, mas estavam mal formulados, e acabaram por obstruir a pele dela e criar alguma descoloração”, partilha Olena. “Eliminámos isso tudo, substituímos por produtos que não eram tão caros, e de certa forma foi um fast, mas de produtos mal formulados.”
Será este o tipo de fasting que devemos considerar, ao invés de deixarmos de aplicar o nosso hidratante? “Totalmente. Acho que aquilo que falta na narrativa sobre skincare é a importância dos ingredientes juntos. Nós olhamos para as coisas como, ‘Isto tem retinol, vou aplicar isto no rosto todo.’ Mas e os outros ingredientes que suportam esse retinol?”, questiona. “Pode acontecer que esse produto tenha uma série de óleos que vão obstruir a pele. Pode ter um irritante, que em conjunto com o retinol vai irritar imenso a pele, causar escamação, uma alergia, potencialmente, rosácea mais tarde. Se não olharmos para o contexto todo, estamos a perder informação vital, e a nossa capacidade de escolher é reduzida. Acho que não é tanto um fasting de produtos – é um fasting de produtos mal formulados.”
Entre todos os fasts e fads, o melhor tratamento que podemos dar à nossa pele é cuidar dela, com o equilíbrio que ela precisa para ser a versão mais feliz de si mesma. “Estava a ver uma série chamada Dating Around, na Netflix, e, para mim, o skincare é um pouco assim. As pessoas tratam-no como se estivessem a sair com várias pessoas, ao invés de se comprometerem com uma rotina que adoram, que as adora, e que é compatível com a pele delas”, defende Olena. “Estamos a investir a longo prazo nos nossos cuidados de rosto. O skincare está ali para cuidar, apoiar, equilibrar e manter a nossa pele feliz. Assim que encontramos o equilíbrio certo, não precisamos de trair a nossa rotina de cuidados de pele, ou encontrar outros amantes, ou estar sempre a mudar.” Por muito estranho, louco, bizarro que o mundo (e o amor) possa ser, ainda existem histórias com um final feliz.
Artigo originalmente publicado na edição de julho/agosto 2020 da Vogue Portugal.
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