É o Baltazar. Quando a reputação enquanto designer incontornável da Moda nacional nos precede, não é preciso mais do que um apelido para sabermos de quem estamos a falar.
É o Baltazar. Quando a reputação enquanto designer incontornável da Moda nacional nos precede, não é preciso mais do que um apelido para sabermos de quem estamos a falar.
Nuno Baltazar © Frederico Martins
Nuno Baltazar © Frederico Martins
E já que tocamos no assunto, mais vale chamar as coisas pelo nome, mesmo - o nome próprio. Seja Nuno, seja talento, seja sucesso - ainda que esse sucesso pudesse ser mais sustentável, como nos explica neste artigo sobre as dificuldades da Moda em Portugal -, os sinónimos de Baltazar multiplicam-se enquanto sintomáticos de uma etiqueta que tem pavimentado de forma sólida o seu caminho há já mais de 20 anos. Foi em 1998 que o criador começou a apresentar-se enquanto profissional da área, partilhando as criações em dupla com Paulo Cravo, sob o nome Cravo|Baltazar. A marca homónima chegou em 2004, já com vários prémios no CV, acumulados no seu percurso académico, que culminou com a formação em Design de Moda pelo Citex. Natural de Lisboa, foi no Porto que estabeleceu a carreira, abrindo a loja física desde cedo da fundação da marca - um passo raro para um criador português, mas que se revelou frutífero, dentro do panorama nacional. As fãs da marca foram não só crescendo ao longo dos anos, como se fidelizando, e o repertório de nomes que o aplaudem é não só invejável como de largo gabarito. Basta pensar na sua mais óbvia musa - Catarina Furtado - para perceber o rol de personalidades que têm a sua etiqueta pendurada no armário (oi, Raquel Strada, Dalila Carmo, Victória Guerra, tudo bem?).
Catarina Furtado em Nuno Baltazar. © Instagram/Catarina Furtado
Catarina Furtado em Nuno Baltazar. © Instagram/Catarina Furtado
Raquel Strada em Nuno Baltazar. © Tomás Monteiro
Raquel Strada em Nuno Baltazar. © Tomás Monteiro
O séquito de mulheres célebres e it girls reverenciadas - que se tornaram invariavelmente amigas de Nuno, mais do que clientes - denuncia não só o gosto como a qualidade da marca, ainda que o caminho que fez (e que ainda fará, garantimos) não tenha sido sem algumas pedras no caminho: "já pensei desistir de tudo (ao longo de 21 anos foram várias as vezes em que isso aconteceu) e invariavelmente entendo que a mudança seria sempre relativa", confessa à Vogue. "Nos momentos de maior incerteza ou desalento penso que, caso desistisse da Moda de autor, gostaria de me dedicar à construção de uma Associação que representasse os profissionais de Moda ou trabalhar na área da produção artística (algo ligado à dança). Na verdade, gosto e até acho que tenho qualidades que me permitiriam fazer um bom trabalho nestas duas áreas." Se assim for, preferimos que apanhe os seixos e rochas do caminho e construa um castelo que albergue as duas vertentes. Primeiro, porque o criador não é alheio a acumular funções, assinando guarda-roupas em Cinema, Teatro, imagens televisivas, mas também como consultor de Moda na Riopele (desde 2015) e desenvolvendo projetos de fardamento para empresas e entidades como a EDP e o Casino da Póvoa de Varzim, entre outros; depois, porque a dimensão deste trabalho paralelo de uma Associação de designers é não só apreciado, como necessário, mas deixar a Moda de autor completamente de parte partiria alguns corações - e deixaria mais pobre o guarda-roupa de muitas consumidoras, parafraseando as próprias: "felizmente tenho tido vários momentos desses", assinala, quando lhe perguntamos sobre as alturas em que sente a certeza de ter tomado o rumo certo. "Por um lado, algo tão simples como uma cliente que se sente a mulher mais especial do mundo quando usa Nuno Baltazar num momento especial das suas vidas. Sentir que faço parte dessas memórias felizes. Por outro lado, é inevitável falar dos prémios que tenho recebido ao longo do meu trabalho. Com particular destaque para o Fashion TV Award [em 2011] e a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique [em 2015]. A primeira distinção por ser reflexo de um júri muito vasto de profissionais da Moda que me acharam merecedor do prémio. Foi um prémio muito especial para mim. Também a comenda foi particularmente feliz por ver o orgulho do meu Pai nesse dia." E faltou mencionar o Globo de Ouro para o Melhor Designer do Ano, em 2013, que arrecadou depois de já ter sido apontado para aquela categoria em 2008 e 2010.
Nuno Baltazar SS18 © Inês Henriques
Nuno Baltazar SS18 © Inês Henriques
Mas os prémios não são a causa, são antes a consequência do seu amor pelo métier, colocando o seu coração em cada ponto, alinhavo, corte. Faz pesquisas infindáveis para os seus desenhos e temas de coleções e é um apaixonado pelos pormenores de todas as histórias que absorve nessa pesquisa e que depois traduz de forma exímia em têxtil, sem nunca defraudar aquilo que é o ADN Nuno Baltazar. Uma vez, há mais anos do que gostaria de pensar, falávamos das suas estações, que denunciavam de forma por demais evidente o nome Nuno Baltazar; falávamos da continuidade das coleções, de alguns moldes de algumas silhuetas que sempre se repetiam. E a sua resposta ficou para sempre gravada na minha mente - ainda que por esta altura chegue aqui algo parafraseada: "Um dia, quando o Nuno Baltazar deixar de existir, eu quero que quem quer que pegue na marca, caso aconteça, tenha um ADN claro sobre o qual trabalhar", explicou, manifestando a emoção sobre a longevidade de uma etiqueta que quer maior que ele. "E isso só acontece com um ADN claro", rematou. Como aquele patente no "vestido studio II - Mod. 1.07579.2 na coleção AW 2018.2019 - Studio (Inspirado no atelier da pintora Paula Rego)", que diz ser o que mais se assemelha a um cartão de visita. "É um vestido que iniciou uma série de outros vestidos e peças onde comecei a mostrar os meus processos de construção. Cada vez mais gosto dele porque significa o inicio de uma grande mudança na minha identidade criativa e de como mostro o que sou e como penso. Dei por mim, nesta coleção, a perceber que o que estava a fazer (pela primeira vez de forma consciente) era convocar personagens de outras histórias (neste caso os personagens que povoam as telas e atelier da Paula Rego)a habitar o meu espaço e os processos criativos. Como uma apropriação emocional que me provoca a projectar as minhas próprias narrativas."
Nuno Baltazar AW18 © Portugal Fashion
Nuno Baltazar AW18 © Portugal Fashion
"Acho sempre bom ter distanciamento quando falamos de uma marca que é nossa" -, começa por dizer, aproveitando a conversa de ADN para lhe peruntarmos que solgan teria - seria? - a Nuno Baltazar. Se tivesse que ser ele a apontar, diz que "a minha marca seria um poema, da Sophia, que falasse das Mulheres e do Mar…. (isto poderia ser um slogan não?)", remata com um smile. Talvez não para qualquer outra etiqueta, mas para uma Nuno Baltazar com certeza, com todas as nuances poéticas que a marca teima em transpirar. É nestas nuances incertas, mas seguramente apaixonadas, que vive a certeza de um criador que se está constantemente a superar: "refaria quase todas." É assertivo a responder, quando questionamos se mudaria alguma coisa em estações passadas. "Não sou nada o género de pessoa de achar que fazia tudo igual. Sempre cometi erros, refleti sobre eles e tentei sempre evoluir. Seria uma oportunidade extraordinária poder refazer uma coleção. Aliás, é um processo que está bem patente no meu atual processo criativo. Olhar para esse passado e, com tudo o que sei hoje, conseguir elevar conceitos a outro patamar." E continua: "a ter de eleger alguma, gostava de refazer (quase do zero) as coleções AW 2005.2006 - SILÊNCIO, AW 2014.2015 - MAR DE SOPHIA e SS 2017 - LLORONA. Porque cada uma foi inspirada em 3 mulheres que admiro muito (por ordem: Amália Rodrigues, Sophia de Mello Breyner Andressen) e gostava de trabalhar cada uma das coleções com a maturidade e confiança que sinto hoje em dia.", pontua.
Anna: camisola em malha de lã e calças em malha de algodão, ambos IMAUVE. Lucas: casaco e calças em veludo‑cotelê, ambos NUNO BALTAZAR. © Ricardo Santos para Vogue Portugal
Anna: camisola em malha de lã e calças em malha de algodão, ambos IMAUVE. Lucas: casaco e calças em veludo‑cotelê, ambos NUNO BALTAZAR. © Ricardo Santos para Vogue Portugal
Mas na impossibilidade de voltar atrás para imprimir um Nuno mais evoluído em estações passadas, que se sinta essa maturidade nas coleções que agora pega e desenvolve - desde logo patente no facto de ter deixado de parte as estações e poder adaptar as suas influências aos tempos que correm: "felizmente, não tinha apresentado as coleções SS20 nem AW20.21. Tive a oportunidade de as repensar e até renomear. Neste momento, vou chamar às duas estações INBETWEEN. São coleções de transição, com uma vertente claramente comercial, mais colorida e vibrante. Que de alguma forma possam contrariar a negatividade que todos atravessamos. Ao mesmo tempo, isso permitiu-me perceber novos caminhos que quero explorar. Continuar a apresentar, na loja, coleções mais comerciais, mas explorar construções mais conceptuais nas apresentações públicas. Assumir que quero trabalhar essas apresentações de forma mais artística, numa reflexão mais aprofundada do conceito, mais desafiadora e inquietante. Tudo isto sem a preocupação de mostrar propostas comerciais. As apresentações de Moda, nomeadamente os desfiles, já foram muito mais especiais. Perderam fulgor quando passaram a ser uma ferramenta da máquina comercial em vez de ser o momento de expressão artística dos diretores criativos das marcas.", opina.
Nuno Baltazar SS18 © Inês Henriques
Nuno Baltazar SS18 © Inês Henriques
É por isso que o repensar a marca é também algo importante para Baltazar: perder a sua expressão artística é um dealbreaker. E a sua expressão artística não se esgota na sua etiqueta, antes é exponenciada pela admiração recíproca com os colegas de trabalho. Ávido defensor de uma união dentro da indústria - não é à toa que mencionou a associação acima ou que está a trabalhar num projeto que pede a colaboração dos colegas designers -, participa com entusiasmo neste Project: Vogue Union tal como faria com qualquer um dos criadores que chama de amigos e nao de concorrência: "Pergunta mais difícil desta entrevista!!!!!!", desabafa, quando perguntamos com quem faria uma colaboração. "Impossível escolher um só, mas podendo nomear três, nomearia o Dino Alves, a Alexandra Moura, o Luís Buchinho, o Aleksandar Protic, o Filipe Faísca e … (era três no máximo não era???) Cada um deles tem um trabalho muito diferente do meu e tenho a certeza que ia aprender muito com cada um. Tenho a certeza que cada uma destas colaborações teriam um resultado riquíssimo!", reitera. Talvez por isso também seja um dos maiores apologistas de uma maior união no panorama de Moda nacional, ainda que esteja ciente das dificuldades: "Com grande tristeza minha, mas também com enorme lucidez, acho que [a união] possível é, mas dificilmente vai acontecer. Para essa união acontecer seria necessário o desenvolvimento de pensamento critico com ponto de partida no interesse colectivo. Existem demasiados egos nesta indústria, pouca capacidade de olhar para o lado e perceber que há muito mais para estruturar e resolver do que os nossos próprios projectos. Essa é uma das grandes questões. Outra é o continuarmos a misturar no mesmo saco moda industrial com moda de autor. São narrativas completamente diferentes e é fundamental trabalhar cada uma delas de forma apropriada.", lamenta.
Tal como lamenta, de uma forma menos desgostosa e com algum carinho nas palavras, a Vogue não ter feito uma entrevista pelos seus 20 anos de carreira. Mas, agora que chega aos 22 e que lê esta retrospetiva de aplausos com um olhar sobre o seu futuro que se quer feito com a mesma paixão e resistência, saberá, diremos nós, que mais do que uma entrevista aos 20, é o continuarmos a assistir de primeira fila aos seus sucessos, a mais anos e mais - muitos mais - aniversários que sabemos estão na sina. Nós e todas as mulheres que gostam de vestir Nuno Baltazar. Perdão, Baltazar.
Raquel Strada em Nuno Baltazar © Gonçalo Silva
Raquel Strada em Nuno Baltazar © Gonçalo Silva
E para vestir Baltazar, o ideal é visitar a sua loja física na Rua do Bolhão, 37, no Porto, onde também tem o seu Nuno Baltazar Atelier, para as criações por medida (T.: +351 22 6054982 ou +351 919 549 738; M. loja@nunobaltazar.com). A loja online também está só à distância de um clique e no Instagram e Facebook há as novidades, os samples sales, as vendas especiais... porque comprar português não é só um dever e um direito, é também possível para diferentes orçamentos.
Loja Nuno Baltazar © Tomás Monteiro
Loja Nuno Baltazar © Tomás Monteiro
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